sexta-feira, 21 de junho de 2013 | |

"Anarquistas, graças a Deus"

Não tenho Facebook e, portanto, fico alheio aos bastidores dos protestos de rua que tomam conta do Brasil nos últimos dias. Sabe-se que a mobilização começou no mundo virtual. É de lá que partem também as mais distintas opiniões. Decidi, então, recorrer às aulas de Antropologia na faculdade para tentar buscar algumas explicações.

De modo aleatório, capturei alguns depoimentos no blog do jornalista Juca Kfouri. Vamos a eles, tal como foram redigidos:

Rodrigo Dayrell – “Protestar é legítimo, mas quando não se tem líderes formados corre-se o risco do movimento crescer demais (como já cresceu) e ficar incontrolável. E isso é péssimo, pois abre espaço pra bagunça e aproveitadores e as consequências podem ser desastrosas pra todo mundo.” 
Pensadortranquilo – “A copa é uma herança do Sr. Lula, que neste momento está escondido, quietinho, aguardando ser chamado para ser o salvador da Pátria.” 
Ronald Nowatzki - “Fico indignado quando vejo comentários de pessoas que ainda acreditam que a solução deste país está no voto, no ano que vem. Estes que acham que a solução está no voto, por favor me deem o nome do ‘Salvador da Pátria’, mas por favor mencione o nome do partido que ele pertence, e qual será a solução mágica que ele vai fazer para resolver os problemas deste pais. O Brasil acordou, ainda que meio sonâmbulo, mas andando e tentando achar o caminho, e o mais importante é que não é partidário, e sim por reais mudanças. O sentido é este, o povo cobrando e fiscalizando, e não querendo deixar nas mãos de um ‘Salvador da Pátria’.” 
Marcelo Silva – “E qual outro país poderia sediar a Copa? É claro que Alemanha, França, Inglaterra, Japão, Estados Unidos e alguns outros possuem uma infraestrutura urbana muito superior à do Brasil, mas... suas economias estão quebradas, à beira da recessão. Ou já se esqueceram que, outro dia, Obama teve que aumentar o teto da dívida pública americana de 14 para 16 trilhões de dólares? 
Alexandre Aquino – “Nesses países citados existe respeito e trabalho honesto.” 
CarlosEr – “Eu acho que todos estamos brincando com fogo. Não acho muito sensato elogiar, sem colocar algumas ressalvas, manifestações que querem incendiar o Itamaraty ou ameaçam pessoas, e que têm orientações tão opostas como tarifa zero de ônibus e deixar de pagar impostos porque a classe média está sendo massacrada. É lógico que precisamos ouvir o que as pessoas estão dizendo, pensar e tentar agir rápido para a situação não sair do controle, mas tem muitos que querem agora exatamente isso: que saia do controle. Não acho que leve a nada, senão ao caos. E não me venham com que já era um caos porque isso é um absurdo sem sentido.” 
Atahualpa – “Todos nós estamos criticando a FIFA, mas temos que reconhecer que não foi a FIFA que veio ao Brasil se ajoelhar para realizarmos a Copa. Igualmente as Olimpíadas. Sabemos dos nomes dos que estavam em Londres, Suíça, etc. E mais, não foi a FIFA que exigiu TANTAS SUBSEDES e sim a demagogia de nossos políticos, que pensavam na eleição de 2014.”

As manifestações permitem algumas observações:

1 – Há no movimento de protesto, de fato, um certo anarquismo – e um desejo para tal, manifestado quando um cidadão defende uma solução que não passe pelo voto. Desconheço qualquer sociedade em que a anarquia, como movimento social e político, tenha funcionado.

2 – Compreende-se o elevado grau de insatisfação do brasileiro com a violência, a alta carga tributária, os péssimos serviços públicos, a corrupção, etc, mas protestar sem uma causa definida, ou contra tudo e contra todos, soa contraproducente. Ao mesmo tempo, envia um forte recado: há um desejo generalizado de mudança.

Será que os políticos e governantes ainda não se deram conta de que o protesto é contra eles e o modo deles de agir? Afinal, enaltecem a democracia e falam em mudanças como se isto não passasse por eles.

Neste sentido, foi sensato o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, ao falar sobre os protestos e a Jornada Mundial da Juventude, programada para julho no Rio de Janeiro e que terá a presença do papa Francisco:

Os temas que estão colocados aí, sobretudo da corrupção, ou da não aceitação da corrupção, da exigência da ética na política, a exigência de serviços de qualidade, o que mais aparece é saúde, educação. Estão a exigir do governo atitudes nessa perspectiva e, quando eu falo governo, estou falando naturalmente das três esferas.

3 – Se há de fato um sentimento difuso nas manifestações, ele é simples de entender (por mais que tudo pareça surpreendente, complexo e surreal). Tal sentimento foi muito bem traduzido pelo jornal “The New York Times”em editorial: 

“(...) Para todas as realizações do Brasil ao longo dos últimas décadas - uma economia mais forte, as eleições democráticas, mais dinheiro e atenção voltadas para as necessidades dos pobres - ainda há uma enorme distância entre as promessas dos governantes de esquerda do Brasil e as duras realidades do dia-a-dia fora da elite política e empresarial. 
O Banco Mundial lista o Brasil como a sétima maior economia do mundo, mas o coloca nos últimos 10% em igualdade de renda. Seus adolescentes de 15 anos de idade estão próximos da parte inferior dos rankings globais de habilidades de leitura e de matemática. Uma sucessão de seus principais políticos têm sido implicados em esquemas flagrantes de propina e outros desvios de dinheiro público. (...)” 

4 – Há uma sensação pairando no ar de que os atuais governantes não concluirão seus mandatos caso as mobilizações continuem (e evoluam). É apenas uma sensação diante de cartazes como “Fora Dilma”, “Fora Hadich”. Não há nada mais de concreto além disto.

Contudo, a sociedade precisa fazer uma autocrítica: nenhum governante ou parlamentar está lá ao acaso ou por força de algum marciano. Foram todos colocados em seus lugares pela vontade popular, manifestada pelo voto.

Portanto, grande parte das mudanças cobradas atualmente passa NECESSARIAMENTE por um voto mais consciente. E isto, claro, está diretamente ligado ao grau de educação e instrução de um povo. Afinal, quem deu cargos a José Sarney (PMDB-AP), Renan Calheiros (PMDB-AL), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), Paulo Maluf (PP-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e tantos outros foram os eleitores – em suma “nós, o povo”.

5 - Por uma coincidência do destino, uma daquelas coisas que só os astros podem explicar, o motivo catalisador dos protestos – o aumento das tarifas de transporte em São Paulo – coincidiu com a Copa das Confederações. Foi, como diz o ditado, a “união da fome com a vontade de comer”.

O descontentamento de parte da sociedade em relação aos gastos exagerados com os estádios da Copa, ao contrário do que os organizadores e governantes tinham prometido (de que não haveria dinheiro público no evento), e o fato da imprensa mundial estar de olho no Brasil aumentaram o ânimo dos manifestantes. Resultado: a Copa entrou no foco.


* A foto que ilustra esta postagem foi retirada do blog do jornalista Juca Kfouri e não tinha autoria identificada


** O título desta postagem é uma referência à obra da escritora Zélia Gattai. Trata-se apenas de uma referência poética, não havendo nenhum desejo de apologia ao anarquismo (que recebeu no texto postado, aliás, uma observação um tanto crítica).

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