Partidos, Congresso, sindicatos, governantes - não há
instituição democrática que não esteja sob o foco de críticas. Falta falar de
outra instituição, a imprensa. Ou "a mídia", como prefere dizer quem
já se põe no campo de ataque.
Acho que há três pontos a destacar. Em primeiro lugar, a
ideia de que as redes sociais, como o Facebook, aposentaram a mídia
tradicional. De um ponto vista, faz sentido. De outro, não.
Claro que, graças ao Facebook, foi possível avaliar, por
exemplo, se valeria ou não a pena participar da manifestação de segunda-feira
passada, dia 17 de junho. Quanto mais adeptos no mundo virtual, mais se sente
que o momento de passar à vida real já chegou.
Não é tão claro o raciocínio de que, com as redes,
elimina-se a função dos jornais e das empresas de comunicação. Muito do que se
compartilha no Facebook, em termos de notícia e opinião política, tem origem
nos órgãos jornalísticos organizados, sejam impressos, audiovisuais ou da
própria internet.
Passo com isso ao segundo ponto. Quem está protestando
contra o pastor Feliciano, a PEC 37, Renan Calheiros, os gastos da Copa, e
outros mil problemas, teve sua indignação despertada pelas notícias dos jornais
e da TV.
São as reportagens de sempre, com sua rotina de sempre, que
acumularam essa insatisfação contra o sistema político. E, se a mídia noticiou
os casos de vandalismo, também foram indispensáveis para mostrar os abusos
policiais.
A imprensa sai então glorificada dessas movimentações? Com
toda evidência, não. Houve ataques contra emissoras de TV e contra repórteres
respeitabilíssimos, como Caco Barcellos. Há mais.
Acredito que, graças à conquista de um poder de
autoexpressão possibilitado pela internet, as pessoas que se manifestam nas
ruas e nas redes se sentem mal representadas na mídia tradicional.
Em parte, a "crise de representação" que se
verifica no caso de partidos e Congresso se reflete nas relações entre imprensa
e cidadãos.
Existe a sensação, claro, de uma desigualdade de poder de
fogo: grandes empresas de comunicação podem mais do que sites e blogs isolados.
Há também um abismo geracional. Incluo-me entre os que
envelheceram. E olhe que à minha volta, nos chamados formadores de opinião, nos
analistas, comentaristas, sociólogos, filósofos, urbanistas, técnicos e economistas
que, sempre os mesmos, são os entrevistados nessa época, a maioria está na
ativa desde que eu era criança...
Quando o pensador mais ousado e "irreverente" da
Globo se chama Arnaldo Jabor, talvez seja o momento de uma autocrítica.
A alienação, o distanciamento entre a imprensa e os
manifestantes se dá em outros níveis também. Ao voltarem-se contra governantes,
as passeatas denunciam o contraste entre o mundo oficial, movido a discursos
eleitorais, planilhas técnicas e blá-blá-blá de marqueteiros, e uma realidade
cotidiana da qual todos se esquecem assim que assumem o poder.
É injusto dizer que um jornal como a “Folha” se esquece de apontar
falhas na saúde, nos transportes e na educação. Ao contrário, isso é noticiado
todo dia, com investigação e detalhe.
Mas, assim como os políticos só parecem acordar para o
interesse público às vésperas da eleição, também os jornais concentram-se
excessivamente, a meu ver, no calendário eleitoral. Não há dia - mesmo nestas
últimas semanas - em que não saiam notícias sobre as movimentações de Aécio e
Eduardo Campos, ao lado dos clássicos prognósticos de que Dilma vai se reeleger
se a economia não piorar muito.
A rotina desse tipo de cobertura mata os jornais, e
interessa a pouquíssimas pessoas. As próprias reportagens sobre corrupção e
mazelas administrativas me parecem difíceis, chatíssimas de ler.
Há a obrigação de revelar dados, estatísticas etc., sem o
que estaríamos retrocedendo a um jornalismo da Idade da Pedra. Ao mesmo tempo,
acho que isso trouxe um risco de rotinização e tecnicalismo que afasta o leitor
- e não adianta "emburrecer" a linguagem para trazê-lo de volta.
Chamo "emburrecer" o processo que leva à
elaboração de boxes, por exemplo, dizendo "entenda o que é o
mensalão", "entenda o que é reforma política" ou coisa parecida.
"Entenda, é sua última chance"... Mas os manifestantes destes dias
parecem estar entendendo mais do que se pensa.
Fonte: Marcelo Coelho, "Folha de S. Paulo", Ilustrada, 26/6/13.
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