terça-feira, 12 de março de 2013 | |

"O elogio da verdadeira amizade"

O filósofo, psicanalista e escritor (Jean-Bertrand Pontalis), um dos maiores intelectuais da França, fala da diferença entre amigos e amores (...)

O que é um amigo?
O título do meu livro sobre esse tema é sugestivo sobre a dificuldade de definir a amizade: Le Songe de Monomotapa ("O sonho de Monomotapa"). Trata-se de uma alusão a urna fábula de Jean de La Fontaine (escritor francês do século XVII). Na fábula, dois amigos vivem nesse país de nome estranho, e um não possui nada que não pertença ao outro. Não haveria amizade mais verdadeira, portanto, nem mais doce, como diz La Fontaine. Mas ela talvez só seja possível na literatura. Por isso, entre as reflexões que faço sobre a amizade, acho que a melhor síntese em resposta à sua pergunta é que um amigo de verdade é aquele que nos protege dos tormentos do amor, nos afasta da fúria raivosa, faz recuar a morte.

Parece quase impossível encontrar um amigo verdadeiro.
Eu diria que é muito difícil. Ainda assim, estamos sempre à procura de um. A minha busca começou bem cedo, porque sempre tive uma relação conflituosa com meu irmão, e logo me vi obrigado a achar fora de casa um companheiro para brincar e conversar. O fio condutor da minha existência é essa procura por um amigo ideal. Como ocorre com a maioria das pessoas, a intensidade dessa busca foi maior na adolescência, quando queremos alguém para nos acompanhar nas descobertas sobre o mundo e a quem confiar nossos segredos e medos e vice-versa. É a época da vida na qual temos um "melhor amigo" - que, em geral, muda a cada ano, conforme vamos crescendo e as circunstâncias variam. Apesar da sucessão de "melhores amigos" nessa idade, a legitimidade de tais amizades não deve ser contestada. Por um certo período, aquele companheiro de escola ou de bairro foi realmente nosso "melhor amigo".

Mas a procura da amizade pode ser vã.
Pode, é claro, mas seria uma lacuna bem triste no meu caso - embora haja quem conviva bem apenas com colegas ou camaradas. Coleguismo e camaradagem são formas de amizade que, se não nos fazem sentir mais fortes, mais vivos - é isso que quero dizer com "recuar a morte" -, ao menos afastam um pouco a solidão amarga. Nunca deixei de ter muitos amigos, é algo vital para mim. Evidentemente, mesmo a amizade mais verdadeira não é feliz durante todo o tempo. Às vezes, podemos nos afastar, até por razões geográficas, ou ter disputas que superam a simples discordância a respeito deste ou daquele assunto. A distância e as fricções, no entanto, jamais significaram um rompimento definitivo com meus amigos. Há quem faça o elogio da amizade sem conseguir cultivá-Ia. É o caso de Proust (MarceI Proust, o maior dos escritores modernos franceses). Ele teve uma profusão de amigos, mas no monumental Em Busca do Tempo Perdido há um julgamento severo sobre a amizade. Ele diz, em resumo, que ela requer um "eu superficial" - que a profundidade do "eu" passa longe da relação com um amigo. Está claro que sofreu uma decepção com a amizade. Tanto que terminou seus anos fechado num quarto, isolado, escrevendo a obra que considerava ser sua "verdadeira vida".

A amizade é mais vital do que o amor? 

Não é mais vital, faz parte de outra esfera. Como eu disse, o amor traz tormentos, porque é impulsionado pela paixão. O amor é, ainda, menos durável, não se consegue mantê-Io continuamente no nível do ardor inicial. Já se falou bastante sobre qual seria a diferença entre amor e amizade. A meu ver, o amor visa à satisfação plena, um objetivo tão vago quanto inalcançável. Ocorre, então, um paradoxo: a partir de determinado momento, ele passa a alimentar-se da insatisfação absoluta. Como escrevo no meu livro, talvez só o amor místico seja a exceção. A amizade, por seu turno, nunca almeja a plenitude. Você não pode esperar tudo de um amigo, muito menos a perfeição, mas só uma amizade verdadeira é capaz de nos proteger das oscilações tumultuosas, da ambivalência intrínseca à relação amorosa - e também do fim do amor, quando é comum que sobre apenas o ódio de quem você amou e por quem você foi amado. O ódio, aliás, dura mais do que o amor.

Fonte: Mario Sabino, “Veja”, ed. 2.302, ano 46, número 1, 2/1/13 (leia na íntegra aqui).

2 comentários:

Anônimo disse...

Caro rodrigo

não é bem assim. Muitas vezes quem segura a onda é esposa / namorada,e voce olha e vê que nem o amigão, a super amizade, a amizade total nao esta o tempo todo do seu lado.nao fica o tempo todo com paciencia para te escutar as lamurias e todo o resto.
mas a esposa / namorada estão. as de verdade estão.
e o que vc me diz? hoje dou muito valor a elas.
ja passei por isso e sei bem.

abs,

Beto

Rodrigo Piscitelli disse...

Caro Beto

Isto é o trecho de uma entrevista, não é texto de minha autoria nem reflete necessariamente minha opinião.

Às vezes coloco textos no blog como reflexão mesmo.

No caso, porém, concordo parcialmente com o entrevistado e com você. Acho que quando uma amizade é de verdade, dura pra sempre. E neste caso, o amigo (a) estará sempre sim disposto a ouvir lamúrias, etc.

Já o amor é algo transcendental. Pode durar para sempre, como pode acabar. E quando acaba, como diz o entrevistado, pode virar ódio.

Enfim, são dois sentimentos distintos, duas relações distintas, embora com semelhanças, como a confiança.

Repare que o entrevistado diz que teve uma relação difícil com o irmão, daí ele valorizar tanto a figura do amigo. Ao mesmo tempo, ele manifesta uma relação boa com a esposa.

Enfim, um não exclui o outro, são complementares.

Um abraço.