Na definição do famoso Dicionário Houaiss, progresso é um substantivo masculino que significa “mudança considerada desejável ou favorável; avanço, melhoria, desenvolvimento; incorporação, no dia-a-dia das pessoas, das novas conquistas no campo tecnológico, da saúde, da construção, dos transportes etc.”. Quem, porém, há de classificar qual mudança é favorável, o que é melhoria?
No mundo moderno, a prática deu a essa palavra uma conotação positiva, independentemente de qual ação ela represente. Progresso é progresso, algo inexoravelmente bom e ponto. Logo, tudo que se faz em nome dele se justifica. Ou não?
Nossas cidades estão repletas de marcas do “progresso”. Um progresso que costuma apagar o passado, a história, a memória. Talvez por isso tenham surgido em muitas cidades uma espécie de contracultura do progresso, um movimento que, mais do que simplesmente negar o “avanço”, busca inseri-lo no contexto histórico de modo planejado.
Em Buenos Aires, provavelmente a mais bela capital sul-americana, esse movimento ganhou um título que pode muito bem servir de grito de resistência: “Basta de demoler” (basta de demolir, em português) – ou simplesmente b!d. Trata-se de uma organização não governamental (ONG) surgida em abril de 2007 com o objetivo de “defender o patrimônio urbanístico da cidade”.
O grupo começou sua atuação “convocando os cidadãos a manifestar-se publicamente contra as demolições de edifícios de valor arquitetônico e histórico; depois empreendeu diversas estratégias na defesa do patrimônio e estendeu sua ação aos parques, ruas e veredas históricas, mobiliário urbano”.
No site do movimento, um artigo do jornal “Clarín” aborda uma discussão atual na capital portenha: uma proposta que cria novas áreas protegidas na cidade. Conforme o b!d, o centro histórico de Buenos foi incluído pela World Monuments Fund na lista de 100 lugares históricos que correm risco.
Um mapa disponível no site mostra os lugares históricos de Buenos Aires e a situação de cada um deles. Em amarelo são os edifícios em perigo; em vermelho, os que estão em risco iminente de demolição; em azul, os prédios já demolidos; e em verde os demolidos com valor histórico. Pelo mapa, a situação é temerária.
Na capital paulista, surgiu um movimento semelhante. O “São Paulo Abandonada & Antiga” – ou simplesmente SPa - lista em seu site bairros, casas, monumentos e até cidades alvos de degradação e abandono. Nas imagens, um misto de beleza fotográfica e artística e tristeza histórica. Há artigos e uma seção interessante que mostra regiões antes e depois do “progresso” (desregrado), como a Santa Ifigênia de 1912 e 2010 nas fotos a seguir. A galeria do projeto no Flickr é imperdível.
Tal como no b!d, o SPa também oferece um mapa com 258 pontos – entre imóveis e monumentos – que merecem atenção por seu valor histórico e arquitetônico.
No caso do SPa, o objetivo principal não é tanto um “grito de resistência” (embora o trabalho tenha também este efeito), mas sim fazer um registro fotográfico e histórico de uma metrópole em constante mudança (e que costuma não perdoar o passado em nome do “progresso”).
Limeira também foi, à sua medida, vítima do “progresso”. Há alguns anos, havia cerca de 200 imóveis na cidade listados pelo Conselho Estadual de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat). Em 1997, cerca de 120 foram identificados e fotografados. No ano 2000, restavam 60, segundo o Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arquitetônico (Condephali). Hoje, já não se sabe quantos são.
De acordo com o Condephali, o único imóvel tombado pelo órgão estadual em Limeira é o prédio da antiga escola Coronel Flamínio Ferreira, no Centro, que abrigava o museu e está em reforma (ele não consta da lista de bens tombados no estado, disponível no site do Condephaat).
Da região, estão no site a sede da Fazenda Salto Grande (Americana), o Fórum de Araras, a sede da Fazenda Morro Azul (Iracemápolis), a Casa de Prudente de Moraes, a Casa do Povoador, a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, o edifício da antiga escola Normal e o Passo da Via Sacra São Vicente de Paula (todos em Piracicaba), além da estação ferroviária, o Gabinete de Leitura, o Horto e Museu “Edmundo Navarro de Andrade”, a sede da Fazenda Grão Mogol e o Sobrado do Barão de Dourados (em Rio Claro).
Há, porém, muito o que se preservar em Limeira. Alguns imóveis já foram tombados (leia aqui). E só tombados. Neste blog, já citei a estação ferroviária do Tatu (leia aqui). Tem ainda o Casarão do Tatu, o Palacete Levy, a Capela de Cubatão, todos necessitando no mínimo de cuidados, como se vê pelas fotos. Isso sem contar várias residências.
O governo Silvio Félix (PDT) já anunciou alguns projetos de restauro, mas por enquanto só a estação ferroviária do Centro foi revitalizada. É preciso mais, muito mais, para tentar manter o pouco da história que ainda resta – e que está se perdendo, como os números do Condephaat indicam.
Afinal, por que proteger o patrimônio? Simplesmente porque ele ajuda a contar a nossa história. Porque as próximas gerações têm o direito de conhecer o passado para, assim, melhor projetar o futuro.
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