Primeiro, eles acusavam a imprensa de ser um "partido
de oposição" e pouca gente se incomodou. A acusação era tão absurda que
não poderia colar. Numa sociedade democrática, relativamente estável e
minimamente livre, os jornais vão bem quando são capazes de fiscalizar, vigiar
e criticar o poder. O protocolo é esse. A normalidade é essa. Logo, o bom
jornalismo pende mais para a oposição do que para a situação; a imprensa que se
recusa a ser vista como situacionista nunca deveria ser atacada. Enfrentar e
tentar desmontar a retórica do poder, irritando as autoridades, é um mérito
jornalístico. Sendo assim, quando eles, que se julgavam aguerridos defensores
do governo Lula, brandiam a tese de que a imprensa era um "partido de
oposição", parecia simplesmente que os jornalistas estavam cumprindo o seu
dever - e que os apoiadores do poder estavam simplesmente passando recibo. Não
havia com o que se preocupar.
Depois, as autoridades subiram o tom. Falavam com
agressividade, com rancor. A expressão "partido de oposição" virou um
xingamento. Outra vez, quase ninguém de fora da base de apoio ao governo levou
a sério. Afinal, os jornais, as revistas e as emissoras de rádio e televisão
não se articulavam nos moldes de um partido: não seguiam um comando
centralizado, não se submetiam a uma disciplina tipicamente partidária, não
tinham renunciado à função de informar para abraçar o proselitismo panfletário.
Portanto, acreditava-se, o xingamento podia ser renitente, mas continuava sendo
absurdo.
Se os meios de comunicação tivessem passado a operar como
partido unificado, com o intento de sabotar a administração pública, o que nós
teríamos no Brasil seria um abalo semelhante ao que se viu na Venezuela em
2002.
(...) No Brasil, não tivemos nada parecido. Nossa imprensa,
convenhamos, é preponderantemente de direita e, muitas vezes, apresenta falhas
de caráter, algumas inomináveis, mas nunca se perfilou com a organicidade de um
partido político. Por todos os motivos, a acusação continuava sem pé nem
cabeça.
Mas o fato é que começou a colar e o cenário começou a ficar
esquisito. Agora, as inspirações até então submersas daquela campanha
anti-imprensa afloram com mais nitidez. (...) Na falta de uma oposição de
verdade que pudesse servir de vilã cruel, na falta de um satanás mais ameaçador
para odiar (a "herança maldita" de FHC não funciona mais como
antagonista imaginária), querem fazer valer essa ficção ufanista de que o País
vai às mil maravilhas, só o que atrapalha a felicidade geral é esse maldito
partidarismo da imprensa. A tese pode ser doidona, mas está funcionando. Alguns
quase festejam: "Viva! Achamos um inimigo para combater! Vamos derrotar os
editores de política deste país!".
Deu-se, então, um fenômeno estranhíssimo: as forças
instaladas no governo, como que enfadadas do ofício de governar, começaram a
fazer oposição à imprensa. Dilma Rousseff jamais embarcou na cantilena, o que
deve ser reconhecido e elogiado, mas está cercada de profetas que veem em cada
redator, em cada fotojornalista, uma ameaça ao equilíbrio institucional. (...)
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