O Bolsa Família, título que Lula deu ao conjunto de
programas sociais herdados do governo FHC, completou dez anos de êxito. Na
realidade, ao longo de mais de duas décadas, os programas de transferência
condicionada de renda têm sido uma experiência vitoriosa em todo o mundo,
embora sujeita a erros de interpretação. Um deles é rotulá-los de
assistencialistas; outro é achar que criar empregos é a porta de saída para
eliminar a dependência do benefício.
Tais programas começaram a ser pensados nos anos 1970,
quando se provou a correlação positiva entre educação, produtividade e
crescimento econômico. Este é maior quanto menor for a pobreza. Depois, a
neurociência constatou que existe um período crítico durante o qual a criança
se prepara para o continuado avanço no conhecimento. É aí que ela deve estar na
escola.
A ideia inicial era assegurar uma renda mínima às famílias
pobres. O pioneiro foi o economista americano Milton Friedman (1912-2006), um
conservador. Mais tarde, evoluiu-se para condicionar a concessão do benefício à
obrigação de pôr os filhos na escola e de levá-los aos postos de saúde para
vacinação e outros cuidados. No Brasil, o programa surgiu em 1995, em Campinas
e no Distrito Federal. Depois se espalhou por outros locais. No período FHC,
recebeu o apoio federal. Ficou conhecido como Bolsa Escola.
A área acadêmica se interessou pelo assunto. Foi o caso do
economista José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio. Ele mostrou que as
famílias pobres dependiam do trabalho dos filhos para sua própria sustentação.
As crianças não iam para a escola e por isso seriam os pobres de amanhã. E
assim sucessivamente. José Márcio defendeu uma versão ampliada do Bolsa Escola,
o que permitiria reduzir drasticamente a pobreza e a desigualdade. O círculo
vicioso se interromperia. As famílias "receberiam" para retirar os
filhos do trabalho e colocá-los na escola. José Márcio escreveu um texto com
Francisco H.G. Ferreira que propunha a unificação dos programas existentes (o
Bolsa Escola e outros como o Vale-Gás). O estudo, que deve ter inspirado o
Bolsa Família, está no endereço http://www. econ.puc-rio.br/pdf/td443.pdf.
Além de ideias para evitar fraudes e desperdícios, o estudo
abordava formas de assegurar a oferta de serviços públicos de saúde e educação.
Lula tinha outra proposta, a do inviável Fome Zero, mas, a exemplo do que
fizera em relação à gestão macroeconômica de FHC, resolveu manter os programas
herdados e ampliá-los. Sábia decisão. Infelizmente, ainda não foi possível
prover educação de qualidade às crianças abrangidas pelo programa.
O Bolsa Família atende 13,8 milhões de famílias ao custo
relativamente baixo de 0,5% do PIB. Contribuiu para reduzir a pobreza e a
desigualdade. Se receberem educação de qualidade, as crianças beneficiadas pelo
programa se tornarão adultos capazes de chefiar famílias livres da pobreza. Por
isso, esse é o único programa social autofágico.
Uma das consequências positivas do programa é permitir às
mães abandonar o mercado de trabalho e dedicar-se aos seus filhos. Elas recebem
os pagamentos mensais e gerenciam as despesas familiares. Assim, caiu a oferta
de empregadas domésticas, o que é um bom sinal. Erra quem pensa que isso é
ruim. O programa acelerou a transição natural observada em outros países, nos
quais o acesso à educação permitiu às mulheres disputar melhores postos de
trabalho, diminuindo o universo das que buscavam o emprego doméstico. A menor
oferta provocou o aumento dos respectivos salários.
O Bolsa Família não é assistencialista. Seu objetivo é
assegurar que as próximas gerações das famílias assistidas não sejam pobres.
Quanto à saída, esta não é o emprego, pois os pais não têm habilitações para
preencher as respectivas vagas. Tenderão a permanecer em trabalho de menor
remuneração. A saída é preparar as crianças para futuramente disputarem o
mercado de trabalho, o que exige o cumprimento da condicionalidade básica do
programa, isto é, mantê-las na escola. Sem isso, a pobreza continuará a
reproduzir-se e se terá garantido apenas uma renda mínima sem ascensão social
das famílias. O desafio é a educação de qualidade.
Fonte: Maílson da Nóbrega, “Veja”, edição 2.351, ano 46, número 50, 11/12/13, p. 34.
0 comentários:
Postar um comentário