(...) Vivemos no mundo em que congestionamento foi promovido
a "problema de mobilidade" e carros, ônibus, metrô e trens ganharam
status de "modais de locomoção". Fora da linguagem dos seminários,
uma coisa é fato: transporte público nunca foi prioridade por aqui. E até um
guarda de trânsito percebe que não basta tinta na caneta ou cal no asfalto para
mudar esse quadro do dia para noite.
O prefeito age diferente. "Todos para os
coletivos", decretou, numa espécie de paródia da coletivização forçada.
Naquela, Stálin decidiu acabar à força com as pequenas propriedades no campo em
proveito de fazendas coletivas, quando não havia condições materiais para isso.
O resultado: espalhou a fome, jogou pobres contra pobres e matou milhões. Nas
devidas proporções, o paralelo é sobretudo de método, não de resultado: como
mandar todos para os coletivos se não há coletivos para todos? Tente imaginar
20%, 30% dos que andam de carros migrando repentinamente para os pontos de
ônibus ou estações de trem e metrô já abarrotadas. Mudaria o congestionamento
de lugar.
Fazer a coisa certa implica confrontar tanto a máfia do
transporte coletivo como o cartel que transformou metrô, trens e afins em
"modais de corrupção". A primeira maneja as linhas de ônibus ao bel
prazer; pouco se lixa para a qualidade e quantidade dos serviços. Já o cartel
usa dinheiro do povo para irrigar campanhas emplumadas. Duetos em Paris não
apagam a realidade de que esses são os verdadeiros adversários - não o sujeito
que comprou um carro a perder de vista, incentivado pelo partido do prefeito.
(...)
Fonte: Ricardo Melo, “Haddad e a ‘coletivização’ forçada”,
Folha de S. Paulo, Poder, 16/12/13.
0 comentários:
Postar um comentário