Por uma dessas coincidências da vida, as últimas grandes entrevistas concedidas por duas das personalidades mais influentes e controversas da história recente de Limeira foram concedidas a mim. Refiro-me aos ex-prefeitos Jurandyr Paixão e Paulo D´Andréa. Ambos morreram algum tempo depois das conversas que tivemos.
Paixão e D´Andréa protagonizaram por décadas uma disputa política que movimentava a cidade e arregimentava seguidores. Não faltaram de parte a parte episódios polêmicos. Curiosamente, ambos se sucediam no poder, diretamente ou por meio de seus candidatos, dificilmente fazendo seus sucessores. Foi assim em 1988, quando Paixão – após um governo cheio de obras – viu seu candidato perder para D´Andréa. E este, em 1992, viu seu candidato perder para Paixão.
Entrevistei Paixão em 24 de junho de 1999. Prefeito de Limeira por três vezes (1960-64/1983-88 e 1993-96) e ex-deputado federal, Jurandyr da Paixão de Campos Freire vivia um declínio em sua carreira política. Após enfrentar sérios problemas de saúde, que o impediram de participar mais ativamente da campanha eleitoral do ano anterior, na qual concorreu para deputado, o ex-prefeito dificilmente falava com a imprensa. Sua rotina se resumia a uma breve passagem pelo Centro, diariamente, por volta das 11h, indo a um estacionamento dirigido por um assessor (talvez o único que lhe restou naquela altura da vida). Ficava por lá cerca de uma hora, uma hora e meia, e depois se recolhia ao lar, onde recebia visitas restritas.
O ex-prefeito estava lúcido, loquaz, porém, mais amadurecido. Estava naquela fase da vida em que a pessoa revisa tudo o que fez. Isso não o impediu de soltar suas tiras sagazes, ácidas, irônicas – endereçadas a alguns inimigos políticos. Pareceu-me sincero ao revelar paixões e ressentimentos, mas não sincero o suficiente para usar argumentos mais verossímeis diante de antigas questões.
Ainda fumava muito, como sempre. Mantinha um jeito de falar um tanto agressivo, que intimidava os mais despreparados. Naquele momento, já sabia que seus sonhos de fazer sucessores na família estavam arruinados. O único que se arriscou na política, o filho Jurinha, ex-deputado federal e secretário de Estado, estava fora da cena nacional, envolto a problemas com a Justiça.
Por mais que Paixão tivesse endereço certo, encontrá-lo para aquela entrevista não foi fácil. Tinha conseguido um contato dentro do estacionamento (uma fonte, no jargão jornalístico), que me avisava sempre que o ex-prefeito chegava. O esquema, inclusive, estava acertado com o fotógrafo do Jornal de Limeira, Maurício Martins. Por duas vezes, porém, corremos até lá e ele já tinha saído. Depois, por uma semana, Paixão desapareceu (será que havia sido informado da nossa intenção de entrevistá-lo?). Até que naquela quinta-feira de junho, lá o encontramos, conversando tranquilamente numa sala do estacionamento na Praça Toledo Barros.
Paixão reconheceu o fotógrafo do Jornal de imediato - afinal, foram anos de cobertura da prefeitura pelo Maurício. A mim, um jovem repórter iniciando a carreira, questionou – num certo tom de humildade - por qual motivo ainda queríamos ouvi-lo. Por tudo o que ele representou para a cidade, respondi. O ex-prefeito topou falar. Não fez restrições. Foi uma conversa agradável. Durou cerca de uma hora. E resultou no material que reproduzo a seguir (para facilitar o entendimento do contexto, acrescentei aqui algumas informações entre parênteses ou por meio de notas):
Paixão – Meu ciclo político está encerrado. Sinceramente, não sinto mais vontade de ser candidato. Vou apenas cumprir com o meu dever de ir votar.
Jornal – Mesmo não querendo, o sr. ainda é um nome forte. Não foi procurado?
Paixão – Não. Se o meu partido (PPB, atual PP, no qual havia ingressado há algum tempo depois de décadas no PMDB) indicar um nome em Limeira, posso até apoiar. A verdade é que ninguém quer mais fazer política como no meu tempo. Era por amor. Agora, só pensam em dinheiro.
Jornal – Se não vai participar, como o sr. analisa os possíveis candidatos?
Paixão – Deveremos ter vários candidatos. Parece que o (Antônio Carlos) Mesquita é candidato. Ele tem uma vantagem: está com vontade. E é preciso isso. Dos atuais possíveis candidatos, votaria no Mesquita. Acho que o Pedrinho (Kühl, ex-prefeito que o sucedeu) sai candidato. Ele gostou. É um forte candidato. Pegou a onda do “bonzinho” e isso ainda vai levar algum tempo. A população ainda não separou bem o político da pessoa. Já o Memau (ex-prefeito Waldemar Mattos Silveira) tenho a impressão que apoiaria o Mesquita.
Jornal – E a Elza Tank (PTB)?
Paixão – Nem vou repetir esse nome. Foi uma das maiores decepções da minha vida pública. Foi traição. Mas tenho a impressão que sai candidata. O sonho dela sempre foi ser prefeita de Limeira.
Nota: a mágoa de Paixão era tanta que, embora eu não tenha registrado na versão publicada da entrevista, tão logo citei o nome da ex-deputada estadual e atual vereadora, aliada de sempre do ex-prefeito até que ambos romperam, ele disse: “Você devia limpar sua boca sempre que falar esse nome”.
Jornal – Como o sr. analisa o governo Kühl (1997-2000/2001-2002)?
Paixão – Não mudou nada a cidade. O que fez até agora? Só está reformando obras minhas e reinaugurando. As grandes obras que eu que as deixei engatilhadas. Cadê a galeria da Tiradentes, que deixei acertada? Ele não disse que ia trazer indústrias para Limeira? Aponte uma que eu fico satisfeito. Até a Acil, que é do grupo dele, está cobrando. A verdade é que o Pedrinho se empolgou a passou a acreditar que é semideus. Isso não existe na política. Está na hora de mostrar a que veio. Precisa acabar com essa história de “bonzinho”, que a culpa é do assessor. Quem governa é o prefeito, assessor só cumpre ordem. Torço para que a administração do Pedrinho dê certo. Mas ele vai entrar em uma época de turbulência política, por causa das eleições.
Jornal – E sobre o relacionamento do prefeito com o governador Covas (de quem Kühl se dizia amigo)?
Paixão – Não existe ajuda. O que o Covas fez por Limeira? Paralisou tudo e tirou todas as regionais da cidade. Acho que o prefeito tem obrigação de correr atrás dele e reclamar.
Jornal – O que o sr. poderia dizer sobre as últimas eleições (1998)?
Paixão – A cidade ficou sem representante e isso é ruim. Eu tive um problema sério de saúde durante a campanha. Praticamente não fiz campanha. Cuidei da minha saúde. Agora, estou em forma.
Nota: durante aquela campanha, várias vezes circularam boatos de que Paixão havia morrido.
Jornal – Como o sr. avalia o governo Fernando Henrique?
Paixão – Está ruim. Ele é um homem dotado de todas as qualidades para o cargo. Mas na minha opinião, precisa mandar. Já falei isso para ele. Hoje, não há um setor satisfeito com o governo. O povo está no limite de tolerância. Na verdade, o mau deste País é que o governo não faz maioria. Assim, fica uma colcha de retalhos.
Jornal – Como o sr. analisa a “disputa” entre a prefeitura e a Águas de Limeira (a primeira se recusara a aumentar a tarifa de água e a segunda, em consequência, paralisou os investimentos)?
Paixão – Não entendo. A população está satisfeita e o prefeito fica atacando a empresa. Eu sei que a coisa mais chata é dar aumento de água e ônibus. Mas tem que fazer. O Pedrinho quer o serviço de volta. Se tomar, não toca. A melhor coisa do meu governo foi essa concessão (do SAAE). Livrei Limeira de ter problemas com água. Agora, querem fazer política sobre isso.
Jornal – Já que o seu ciclo político está encerrado, como o sr. o analisa?
Paixão – Fiz muitos amigos. Disputei oito eleições e perdi só uma. É um bom saldo. Confesso que não esperava ter a votação irrisória da última eleição (teve 7.180 votos na disputa por uma vaga na Assembléia Legislativa). Mas faz parte do jogo. Aliás, arrebentaram com a minha candidatura. Espalharam que eu tinha morrido. Mas tudo se paga aqui mesmo.
Jornal – Como o sr. gostaria de ser lembrado?
Paixão – Como um homem que sempre procurou fazer o bem. E um realizador. Queiram ou não, ninguém repetirá mais em Limeira o que eu fiz em obras. Principalmente no segundo mandato.
Jornal – O sr. se arrepende de alguma coisa?
Paixão – Na verdade, não devia ter deixado o Congresso para disputar a prefeitura na última eleição que eu venci, em 1992. Deveria ter continuado como deputado federal. Também não disputaria essa última eleição para deputado. Fui a pedidos. O episódio do chicote (Paixão invadiu a Câmara com um chicote, em 1990, à procura do então vereador Tancrede Orsi) é um ato lamentável da minha vida. Jamais faria isso de novo.
Jornal – Quem foi o seu maior adversário político?
Paixão – Paulo D´Andréa. Além da política, era um inimigo pessoal. Comprei brigas com ele por muita coisa que outros falaram. Foi um adversário à altura. Tínhamos prestígio. Ele conseguia aglutinar muita gente. Até hoje consegue. Mas, na minha opinião, o maior nome da política de Limeira hoje é o Memau. Tem carisma. Mesmo afastado, manteve a característica de “bonzinho” e do bom governo que fez.
* Entrevista publicada no Jornal de Limeira em 27 de junho de 1999, pág. 7. A foto é de Maurício Martins
* PS: Mesquita e Elza não foram candidatos a prefeito no ano 2000; Kühl foi reeleito na ocasião. Em 1998, Jurinha disputou sua última eleição, fazendo dobradinha com o pai: teve irrisórios 7.567 votos e não se reelegeu deputado federal. Desde então, praticamente não se tem notícia dele - que não compareceu ao enterro do pai, falecido na noite de 13 de novembro de 2002, uma quarta-feira, aos 72 anos, por falência múltipla de órgãos.
* Em tempo: nessa mesma entrevista, Paixão soltou a seguinte máxima, não publicada no Jornal: "Pequenas obras, grandes negócios". A que ele se referia só o Maurício e eu sabemos...
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