Quarta-feira (24/11) foi a greve geral em Portugal, um protesto dos trabalhadores – organizado pelas duas maiores centrais sindicais do país – contra medidas de austeridade fiscal anunciadas pelo governo para 2011: aumento do IVA (o imposto sobre valor agregado, algo como o ICMS no Brasil) em dois pontos percentuais, redução dos salários em média de 5% e redução das pensões, entre outras.
No dia seguinte (25/11), foi a vez dos estudantes ocuparem o Coliseu, em Roma, e a famosa torre da catedral de Pisa protestando contra uma reforma do Ministério da Educação que inclui cortes de verbas do setor.
Recentemente, a França foi agitada por paralisações e protestos contra o aumento – de 60 para 62 anos - da idade mínima para se aposentar.
São os ventos que sacodem a Europa desde que a crise financeira mundial estourou, em outubro de 2008. A ferida do que muitos consideram gastança e outros chamam de estado de bem-estar social foi aberta. Uma bolha que estouraria em algum momento. A Grécia já quebrou. A Irlanda ruma para isso (ambas recorreram ao dinheiro da União Europeia). Especialistas afirmam que Portugal, Espanha e Itália seguem de modo acelerado no mesmo caminho.
Diante deste cenário, duas palavras têm dominado o noticiário nos principais jornais europeus: crise e reforma. Não se fala em outra coisa, não se discute outro assunto, embora muitas vezes com posições diversas – não raramente divergentes. É preciso reformar o Estado, as finanças públicas não se sustentam diante do atual nível de gastos, pregam quase em uníssono.
Isso implica mexer em algo caro para os europeus, o gasto social. Implica também melhorar a eficiência dos gastos públicos, atacar a corrupção, estabelecer freios para o mercado (principalmente o sistema financeiro) e por fim a benesses populistas.
Na Itália, o “la Repubblica” de 19/10 informava sobre um decreto do governo prevendo que a Igreja volte a pagar impostos. Em busca de votos num país tradicionalmente católico, isenções foram concedidas em dezembro de 2005 pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi com vistas às eleições da primavera seguinte. Cerca de um bilhão de euros.
Agora a conta chegou.
Pelo que entendi, a Igreja aceitou uma espécie de acordo de cavalheiros para voltar a pagar tributos a partir de 2014. Funcionará assim: escolas, hospitais, clubes, etc, da Igreja vão pagar os mesmos impostos que qualquer outro empreendimento privado semelhante. Ou seja: a volta de uma concorrência leal.
No “24 Ore” de 31/10 (a mesma edição em que a então candidata – hoje presidente eleita – Dilma Rousseff foi chamada de “alterego feminino do presidente Lula”), vejo a entrevista de uma líder da oposição italiana cobrando reformas drásticas por parte do governo. E urgentes.
Uma brasileira que vive na Itália há anos contou que muitas empresas estão oferecendo dinheiro para que os trabalhadores estrangeiros voltem para seus países de origem. “Aqui já foi bom, o bom agora é o Brasil”, disse, enquanto esperava o trem na estação central de Milão e contava os dias para as férias no Brasil (ela embarcaria dali três dias).
Faz sentido.
Enquanto por lá o desemprego bate na casa de 20% em muitos lugares, como a Espanha, no Brasil ele atingiu o menor índice desde que a série histórica de registros começou, em março de 2002: 6,1% nas seis principais regiões metropolitanas, apontou nesta quinta-feira o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Para tomar o exemplo espanhol, quando um em cada cinco trabalhadores está sem uma ocupação formal – e vê ameaçados os benefícios sociais de que os desempregados desfrutam -, as reações são previsíveis. Quando não se vislumbra uma luz no túnel, a situação tende a piorar. Daí ao perigo da volta de um cenário sombrio de 70 anos atrás é um passo.
Sinais nesse sentido já são vistos com certa frequência na Europa. São os efeitos colaterais que surgiram com a crise. A ultradireita avança e conquista espaço em vários países, informou o “Corriere della Sera” em matéria de uma página. Crescem também as manifestações de xenofobia (a França expulsou os ciganos).
Crescem também as ondas separatistas e as respectivas reações contrárias (de resistência), como vi em duas pichações em Pisa.
Não se sabe se reformas serão suficientes para salvar o euro e, de resto, a União Europeia. Se salvarem, não se sabe se a sociedade sobreviverá (no sentido figurado) a uma anunciada convulsão social decorrente das medidas.
Nunca, portanto, Sócrates esteve tão em voga com seu “Só sei que nada sei” (citado por Platão em “Apologia de Sócrates”, já que o filósofo de quem foi discípulo não deixou escritos).
0 comentários:
Postar um comentário