Hoje tive uma discussão (no bom sentido) com um entrevistado no programa “Fatos & Notícias”, da TV Jornal. Ele falava sobre um evento (festivo, acredite!) de uma igreja cujo lema será o fim dos tempos.
Ultimamente, talvez pela recente passagem do milênio e pelo crescente pentecostalismo no Brasil, essa história de final dos tempos tem ganhado destaque. Casos de violência e tragédias naturais, como as vistas no Brasil e no Haiti recentemente, acentuam a crença no armagedom. E quando falta informação, sobra deformação (para não dizer ignorância – no sentido literal da palavra, ou seja, de desconhecer algo, e não no sentido ofensivo).
Para muitos líderes, religiosos inclusive, quanto maior a ignorância, mais fácil a dominação.
Não pretendo entrar em discussões teológicas, dogmáticas, religiosas. Crer no apocalipse é questão de fé – portanto, de foro íntimo. No entanto, por dever jornalístico e respeito ao público, não posso (e não pude no programa desta segunda-feira na TV) deixar passar “argumentos” desprovidos de razão e sentido.
Crer que o mundo vai acabar porque assim foi dito pelo criador é, repito, questão de fé. Dizer que o fim dos tempos está chegando porque nunca houve tantas tragédias, guerras e doenças como agora já é outra coisa: beira iludir a fé alheia. Diga aí: alguém de boa fé catalogou as tragédias e assassinatos de ontem e hoje para fazer alguma comparação razoável que possa respaldar uma afirmação do gênero? Se alguém tiver uma resposta positiva, aceito. Do contrário, parece-me irresponsabilidade recorrer a esse tipo de argumento.
Vejamos: desde que o mundo é mundo, há violência. Para quem crê na história da criação, parece-me que está lá escrito que um irmão matou outro, não? Ou seja: os crimes familiares estão na raiz da humanidade do ponto de vista religioso. A própria Bíblia está repleta de casos de assassinatos, muitos deles entre parentes.
Até onde sei, a história da humanidade sempre foi baseada na guerra – gregos contra troianos, atenienses contra espartanos, romanos contra bárbaros, sem falar nas Cruzadas medievais (financiadas, diga-se, pelas ordens religiosas), nas conquistas de Alexandre e de Napoleão. Portanto, dizer que as guerras de hoje (quantas mesmo?) são sinal do fim dos tempos não me parece plausível.
E quanto às catástrofes? A erupção do Vesúvio não destruiu parte do sul da Itália, soterrando toda uma cidade (Pompéia) pouco depois de Cristo? Em meados do século 18 um grande terremoto não destruiu Lisboa? E no início do século 20, o mesmo não aconteceu em São Francisco? Ah, e as doenças? No início do século 20 não houve uma grande epidemia de gripe espanhola que dizimou milhões de pessoas (e numa época em que o mundo nem era globalizado e os contatos entre os povos nem era tão grande como hoje)? Ora, se estes são sinais do fim dos tempos, o fim está um tanto demorado...
O que há hoje, sim, em muito maior quantidade, é o acesso à informação. E numa rapidez sem precedentes. Há cem anos, levava-se dias, talvez meses, para se tomar conhecimento de um determinado acontecimento numa região um pouco mais distante. Há mil anos, muitas vezes nem se tomava conhecimento. Hoje, sabe-se do fato em segundos.
Há quem diga que o próprio Jesus falou que guerras, doenças, pai matando filho e filho matando pai, catástrofes, etc, seriam os sinais da sua volta. De fato, mas mais do que isso, para usar um recurso religioso, ele disse que só Deus saberia quando seria a hora. Só Deus! Portanto: viva a vida, o presente, faça o bem, ajude e ame o próximo (e, caso seja cristão, ame a Deus acima de todas as coisas) e deixe que o tempo se encarregue do resto.
Ultimamente, talvez pela recente passagem do milênio e pelo crescente pentecostalismo no Brasil, essa história de final dos tempos tem ganhado destaque. Casos de violência e tragédias naturais, como as vistas no Brasil e no Haiti recentemente, acentuam a crença no armagedom. E quando falta informação, sobra deformação (para não dizer ignorância – no sentido literal da palavra, ou seja, de desconhecer algo, e não no sentido ofensivo).
Para muitos líderes, religiosos inclusive, quanto maior a ignorância, mais fácil a dominação.
Não pretendo entrar em discussões teológicas, dogmáticas, religiosas. Crer no apocalipse é questão de fé – portanto, de foro íntimo. No entanto, por dever jornalístico e respeito ao público, não posso (e não pude no programa desta segunda-feira na TV) deixar passar “argumentos” desprovidos de razão e sentido.
Crer que o mundo vai acabar porque assim foi dito pelo criador é, repito, questão de fé. Dizer que o fim dos tempos está chegando porque nunca houve tantas tragédias, guerras e doenças como agora já é outra coisa: beira iludir a fé alheia. Diga aí: alguém de boa fé catalogou as tragédias e assassinatos de ontem e hoje para fazer alguma comparação razoável que possa respaldar uma afirmação do gênero? Se alguém tiver uma resposta positiva, aceito. Do contrário, parece-me irresponsabilidade recorrer a esse tipo de argumento.
Vejamos: desde que o mundo é mundo, há violência. Para quem crê na história da criação, parece-me que está lá escrito que um irmão matou outro, não? Ou seja: os crimes familiares estão na raiz da humanidade do ponto de vista religioso. A própria Bíblia está repleta de casos de assassinatos, muitos deles entre parentes.
Até onde sei, a história da humanidade sempre foi baseada na guerra – gregos contra troianos, atenienses contra espartanos, romanos contra bárbaros, sem falar nas Cruzadas medievais (financiadas, diga-se, pelas ordens religiosas), nas conquistas de Alexandre e de Napoleão. Portanto, dizer que as guerras de hoje (quantas mesmo?) são sinal do fim dos tempos não me parece plausível.
E quanto às catástrofes? A erupção do Vesúvio não destruiu parte do sul da Itália, soterrando toda uma cidade (Pompéia) pouco depois de Cristo? Em meados do século 18 um grande terremoto não destruiu Lisboa? E no início do século 20, o mesmo não aconteceu em São Francisco? Ah, e as doenças? No início do século 20 não houve uma grande epidemia de gripe espanhola que dizimou milhões de pessoas (e numa época em que o mundo nem era globalizado e os contatos entre os povos nem era tão grande como hoje)? Ora, se estes são sinais do fim dos tempos, o fim está um tanto demorado...
O que há hoje, sim, em muito maior quantidade, é o acesso à informação. E numa rapidez sem precedentes. Há cem anos, levava-se dias, talvez meses, para se tomar conhecimento de um determinado acontecimento numa região um pouco mais distante. Há mil anos, muitas vezes nem se tomava conhecimento. Hoje, sabe-se do fato em segundos.
Há quem diga que o próprio Jesus falou que guerras, doenças, pai matando filho e filho matando pai, catástrofes, etc, seriam os sinais da sua volta. De fato, mas mais do que isso, para usar um recurso religioso, ele disse que só Deus saberia quando seria a hora. Só Deus! Portanto: viva a vida, o presente, faça o bem, ajude e ame o próximo (e, caso seja cristão, ame a Deus acima de todas as coisas) e deixe que o tempo se encarregue do resto.
***
Veja, pois, que este texto não tem como finalidade destruir a fé daqueles que acreditam na religião. Tampouco quero parecer incrédulo. Busco apenas colocar um pouco de luz a uma certa onda apocalíptica que, tal como um tsunami, tem invadido muitas mentes. Onda impulsionada pelo fanatismo, pela ignorância e pelo senso de oportunidade de alguns que têm contribuído exclusivamente para causar medo e atos de insensatez.
Exagero? Uma conhecida minha dia desses estava nervosa porque, “diante dos sinais do fim dos tempos”, não sabia se estaria entre os “144 mil eleitos que vão herdar o reino dos céus”. Sem falar em alguns que dizem ter a “certeza” de que serão salvos, esquecendo-se de que o próprio Jesus chamou consigo para o reino de Deus um ladrão que estava ao seu lado na cruz e que se arrependeu no último instante.
“Orai e vigiai!”
A propósito: Marcelo Coelho escreveu no último dia 13 na Ilustrada, na “Folha de S. Paulo”, um artigo com o provocativo título “Deus existe?”. É uma interessante discussão entre fé e ciência, razão e emoção. E para quem pensa que o racionalismo puro é louvado, sugiro a leitura. Os protagonistas são o filósofo Paolo Flores d´Arcais e um certo Joseph Ratzinger, ainda como cardeal.
Para facilitar, já que muitos não têm senha para acessar os textos da “Folha”, reproduzo-o no campo de mensagens desta postagem. É só acessar lá.
4 comentários:
Deus existe?
MARCELO COELHO
Quando a pergunta é simples demais, o santo desconfia. A editora Planeta lançou recentemente um livro fascinante e curto (125 páginas), que, sob o título "Deus Existe?", transcreve um diálogo público entre um filósofo ateu, Paolo Flores d'Arcais, e ninguém menos do que o cardeal alemão Joseph Ratzinger.
O encontro se deu num teatro, em Roma, em fevereiro de 2000 - cinco anos antes, portanto, de Ratzinger tornar-se Bento 16.
Apesar do título do livro, a questão sobre a existência de Deus não se coloca de forma direta - e talvez seja melhor assim. O debate entre um ateu e um cardeal pode ser bem mais complexo do que sugere a pergunta. Uma formulação muito sumária, do tipo "Deus existe?", pode provocar respostas simples demais: "Sim", "não sei" ou "não".
Pessoalmente, desde criança marco a terceira alternativa. Mas até mesmo uma opção resoluta pelo ateísmo pode envolver ambiguidades. Posso dizer, por exemplo: "Não acredito que Deus exista". Ou: "Acredito que Deus não exista".
Posso, porém, observar apenas: "Quem diz que Deus existe não tem prova nenhuma do que está dizendo", e acrescentar: "Só acredito no que pode ser provado".
E, nesse momento, o bom Ratzinger já estará esfregando as mãos de contentamento apostólico. Pois é inegável que acredito em muitas coisas que não sei bem como poderiam ser provadas cientificamente. Acredito que exista uma coisa chamada beleza, por exemplo.
Se me pedirem para apontá-la, posso citar uma série de exemplos, uma série de manifestações da beleza no cotidiano; o crente pode apontar outras tantas manifestações de Deus, e ninguém provou nada com isso.
No seu diálogo com Paolo Flores d'Arcais, entretanto, Ratzinger dá um passo a mais. Certo, diz o cardeal, a existência de Deus não pode ser provada pelo "método positivo", isto é, científico. Mesmo sem ter provas, entretanto, a fé em Deus não é puramente irracional. Ao contrário, a razão está do lado dos católicos nesse caso.
Seu interlocutor resiste bravamente a esse golpe. Tolerante e ateu, Flores d'Arcais aceita que alguém simplesmente diga, como o velho teólogo Tertuliano, "acredito porque é absurdo". Ou que lembre Kierkegaard: "A fé começa justamente onde termina o pensamento".
(Continua a seguir)
Mas Ratzinger não quer limitar a crença em Deus aos porões sentimentais da alma. A tradição católica, diz ele, foi uma espécie de "pré-Iluminismo" contra as irracionalidades pagãs.
E a ideia de um Deus criador do céu e da Terra, prossegue, é indispensável para qualquer pessoa que preze a razão. Sem um logos, um verbo que está na origem de tudo, teríamos de admitir que o mundo, a natureza, o destino humano, não passa de fruto do acaso, não tem sentido nenhum, é puramente absurdo. Como então preservar qualquer "racionalidade" com esses pressupostos?
Num artigo incluído nessa edição, Ratzinger formula o problema com mais eloquência: "Pode a razão renunciar à prioridade do racional sobre o irracional, à existência original do logos sem abolir a si mesma?" Meu ateísmo - e meu racionalismo - respondem que sim. A medicina sabe perfeitamente que, com todos os seus avanços, não elimina o fato de que todos irão morrer. Reconhecer a "prioridade" da morte não faz com que a medicina esteja pronta a "abolir-se a si mesma"...
Flores d'Arcais não sai vitorioso, entretanto, do debate com Joseph Ratzinger. Quando se trata de defender princípios universais e inalienáveis, como os direitos humanos, nosso ateu de plantão cai na armadilha do relativismo: muitas sociedades admitiram o homicídio, a antropofagia...
Ratzinger insiste, com razão, que se muitas sociedades fizeram coisas detestáveis, isso não torna casuais, contingentes, os direitos humanos. D'Arcais também não gostaria que isso acontecesse, mas se confunde no debate.
O problema, a meu ver, teria de ser definido de outra forma. Se existem direitos universais, e se um termo como "dignidade humana" precisa ter sentido, a questão é saber como lhes dar fundamento. Mas esse fundamento, que deve ser a-histórico, absoluto, transcendente, não precisa fazer apelo ao "sobrenatural" - e negar o sobrenatural é algo que, pelo que li, não está nas cogitações de Ratzinger, com tudo o que concede às conquistas do Iluminismo.
Vi o programa e adorei a forma como vc conduziu o debate. Concordo plenamente com você.abço
Hahaha. Já estão vendendo os lotes do céu?
Muito bom o texto, Rodrigo. Infelizmente, tem muitos que abusam da fé e da inocência de algumas pessoas. Porém, acredito que o apocalipse exista, um apocalipse criado pelos homens, que continuam aquecendo o planeta. Mas, não vai se o fim de tudo, as baratas sobrevivem. hahahahaha. Não sei, é difícil argumentar, mas são os homens que estão acabando com tudo, destruindo os recursos naturais, destruindo uns aos outros. Enfim, os seres humanos estão fadados a extinção, assim como todas as outras espécies que já passaram nesse planeta (menos as baratas, elas nunca morrem). Bom, creio que essa extinção leve um bom tempo ainda.
abraço.
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