Se tem algo de
que a administração paulistana de Fernando Haddad (PT) não pode ser acusada é
de falta de ousadia. Em meio a desafios tão gigantes quanto a cidade que quis
administrar (12 milhões de habitantes, fora o público volante e os problemas
que envolvem o entorno), o petista se destaca justamente por aquilo em que é mais
criticado: as intervenções na mobilidade urbana.
O trânsito de
São Paulo não está à beira do caos; é um caos diário (por mais que muitas
pessoas tenham se adaptado a deslocamentos que facilmente superam horas).
Não é um
cenário unicamente paulistano, como constatou recente estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas):
“Nos últimos doze anos, o Brasil passa por um período de forte expansão da frota de veículos automotores, o que se reflete na deterioração das condições de trânsito não só dos grandes centros urbanos como também das rodovias. Quanto maior o tráfego de veículos, maiores os conflitos existentes, o que pressiona os índices de acidentes em todas as rodovias brasileiras.”
Ao encontro do
que fazem cidades desenvolvidas ao redor do mundo, Haddad investiu fortemente
nos corredores de ônibus a fim de aumentar a velocidade desse modal, construiu
uma ampla rede de ciclovias, reduziu a velocidade das principais vias da cidade
(medida conhecida como “traffic calming”) e, mais recentemente, iniciou um
projeto-piloto de ampliação das calçadas.
Como é de se
imaginar, carros perderam espaço – e milhares de motoristas reclamam.
Quis o destino
que Haddad tenha sido eleito no momento mais dramático da economia e das finanças públicas do país nos últimos 30 anos. Assumiu uma administração com
uma dívida quase impagável (sabia disso quando se candidatou) apostando nas
parcerias com o governo federal – que não vieram no volume esperado.
Consequência
disso: uma administração que pouco realizou em termos de obras e melhorias dos
serviços públicos.
Ao mesmo
tempo, porém, o prefeito teve a coragem de tocar em vespeiros que ninguém se
atrevia a mexer. Fortaleceu a corregedoria da prefeitura e criou mecanismos de
investigação dos servidores, obrigados a informar sistematicamente seu rol de
bens a fim de que sejam cruzados com o rendimento. Assim, desbaratou uma
quadrilha suspeita de desviar ao menos R$ 500 milhões dos cofres públicos – a
chamada Máfia do ISS.
E assumiu o
risco político de fazer intervenções que julgava necessárias para modernizar a
mobilidade da capital. No caso da redução da velocidade, embora exista a
suspeita plausível de que isto resultará numa indústria de multas, há que se
considerar os possíveis efeitos positivos da medida.
Como
jornalista, há anos ouço especialistas criticarem a falta de ação dos governos
no combate à violência no trânsito, talvez a principal epidemia hoje no país. O
estudo do Ipea, já mencionado, apontou que, apenas nas estradas federais,
ocorreram quase 170 mil acidentes em um ano, a um custo médio de R$ 72,7 mil ao
país.
Estamos
falando de quase R$ 13 bilhões – só com as estradas federais! Isto é quase
metade do déficit orçamentário do governo federal para 2016.
O trânsito é a
principal causa de mortes violentas no Brasil, superando de longe os
assassinatos. É certamente o maior problema de saúde pública no país, com
custos bilionários. Um problema para o qual grande parte da sociedade e da
classe política fecham os olhos.
Haddad não. Entre
a ação polêmica e a omissão, preferiu – acertada e corajosamente - a primeira.
Recentemente, o
prefeito divulgou que o índice de mortes no trânsito da cidade teve a maior queda em ao menos uma década.
Outro
levantamento apontou que o trânsito em São Paulo recuou pela primeira vez em
três anos - o que pode ser um efeito das medidas tomadas pela prefeitura ou
também da crise econômica (ou ambas). Ainda assim, é algo a se considerar.
As
resistências e críticas que a administração Haddad sofre são muito mais fruto
das ações que ele tomou do que daquilo que a prefeitura não fez – o que é
plenamente compreensível por se tratar de mudanças tão sensíveis ao dia a dia
de milhões de pessoas, nem sempre bem explicadas e/ou comunicadas.
Em praticamente
nenhum lugar do mundo, mudanças desse tipo foram feitas amistosamente. É comum
do ser humano resistir a mudanças, principalmente quando estas lhe atingem
individualmente em nome de um bem coletivo maior.
Também é o caso
de destacar o projeto “Braços Abertos”, voltado a usuários de crack. Embora polêmico,
há que se considerar que a iniciativa vai na direção oposta à da repressão, que
certamente se mostrou uma política fracassada. Ora, se uma ação já falhou, seria
o caso de dar crédito a uma nova – e diferente – alternativa.
Como no Brasil
imprensa e sociedade têm pressa, rapidamente Haddad anunciou o que seriam os
primeiros resultados positivos do programa: redução do consumo de crack. Eram
apenas três meses de projeto, muito pouco para uma manifestação tão taxativa,
mas é bom ficar de olho.
As iniciativas,
é bom registrar, renderam ao prefeito paulistano efusivos elogios dos jornais “The New York Times” (original aqui) e “Wall Street Journal” (original aqui).
Desconfio,
porém, que se Haddad estivesse em outro partido (PSDB, por exemplo) e/ou em
outro momento da história, seria apontado como um visionário. No PT, aqui e
agora, deve ter sérias dificuldades para se reeleger (é provável até que não
tenha êxito).
Não sei se o petista mereceria meu voto caso tivesse domicílio
eleitoral na cidade de São Paulo. A administração está longe daquilo que ele se
comprometeu a fazer na campanha (e é hora de começarmos a ser mais rígidos e
radicais a respeito daquelas promessas que nos fazem a cada dois anos, entre
julho e outubro...).
Isto não me impede, pois, de aplaudi-lo naquilo que faz de bom (ou tenta, ainda que com resultados incertos).
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