Ao fazer recentemente uma reportagem sobre o antropoceno,
período geológico no qual o homem causa os problemas do planeta e é também
responsável por encontrar as soluções, passei a refletir sobre o futuro. E desenvolvi
uma teoria: a do egoísmo responsável.
Trata-se, como o nome indica, de uma alternativa (ou de uma
saída) para viver sem preocupações coletivas complexas (que tornariam a vida um
tormento, conforme esta teoria) e, ao mesmo tempo, buscar contribuir da forma
que for possível.
O diagnóstico é mais ou menos claro, seja qual for o ramo de
estudo (do clima e as alterações causadas pelo aquecimento global ao esoterismo
e a teoria Gaia): estamos destruindo o planeta, um processo que ganha
velocidade cada vez maior.
De acordo com o filósofo Luiz Felipe Pondé, o ser humano
desenvolveu tecnologia e conhecimento que lhe permitem viver mais (a expectativa
de vida aumentou de 30 a 40 anos ao longo dos últimos séculos) e estabeleceu
uma sociedade baseada na riqueza – modelo que ele considera irreversível, já
que sistemas alternativos fracassaram.
Está posto o problema: a insustentabilidade do desejo. Como
associar nossos desejos de felicidade e consumo com os limites de recursos do
planeta?
(Pondé alerta para o risco de uma espécie de fascismo verde ao
se pensar em estabelecer limites por meio de uma governança global, mas isto é
outra discussão.)
Na equação da vida, a soma de felicidade (consumo) e
direitos resulta em degradação. Segundo o filósofo, o ser humano sonha ter o
nível de consumo dos Estados Unidos e o de bem-estar social da Suécia, uma conta
que definitivamente não fecha num mundo com mais de sete bilhões de pessoas.
O desejo humano, portanto, é perigoso. Corre-se o risco de
se materializar o mundo pensado pelo filósofo inglês Thomas Hobbes da guerra de
todos contra todos – vejamos a atual crise da água...
Ao refletir sobre estas questões, concluí que criamos uma
armadilha. A não ser que ocorra uma catástrofe planetária, o mundo não vai
aguentar.
O nível crescente de consumo (pense no seu celular e em
quanto tempo você deseja trocá-lo por um novo) não é compatível com os recursos
disponíveis. A população mundial segue crescendo em ritmo acelerado. Se o
apocalipse não vier dos céus, virá da ação humana. Inevitável.
Contudo, por mais que este processo esteja acelerado, ainda
levará algumas gerações para chegar ao ponto limite em que a vida humana se
tornará insustentável. O que fazer, então?
Martirizar-se com uma preocupação coletiva – “o que estamos
fazendo?” - ou mudar radicalmente de vida (abandonar quaisquer traços de
consumo, passar a viver em meio a natureza, estabelecendo novos hábitos
alimentares e abrindo mão de uma série de prazeres - viajar, por exemplo, que implica
na queima de combustíveis fósseis, um dos principais elementos do aquecimento
global)?
Daí surge a teoria do egoísmo responsável. Egoísmo porque pressupõe
a preocupação individual – já que não viverei o fim, a extinção, o apocalipse,
levarei minha vida normalmente sem maiores preocupações coletivas globais. Darei-me
o direito dos pequenos prazeres cotidianos (um “fast food”, um carro, um celular,
uma viagem...), etc.
Ao mesmo tempo, como parte desta escolha (de fazer parte da
inevitável sociedade de consumo), terei ações responsáveis ao meu alcance:
reciclarei o lixo, buscarei alimentos orgânicos, terei uma vida mais civilizada,
não jogarei resíduos na rua, evitarei o desperdício de recursos, procurarei
fontes sustentáveis de energia, etc. Será a minha contribuição – como na
história do passarinho, de cada um, com pequenos gestos, fazer a sua parte.
Egoísmo responsável!
Em tempo 1: se alguém topar, será um prazer refletir se, de
fato, criamos uma sociedade sem volta, um caminho inexorável. Criamos?
Em tempo 2: outro filósofo, Hélio Schwartsman, mostrou em recente coluna na “Folha de S. Paulo” como a melhoria de vida alcançada nas últimas
décadas criou novos desafios para o ser humano no campo da saúde – “Estamos ficando mais saudáveis, mas isso apenas nos
empurra para mortes mais sofridas”. E assim será, sempre.
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