quarta-feira, 3 de dezembro de 2014 | |

A teoria do egoísmo responsável

Ao fazer recentemente uma reportagem sobre o antropoceno, período geológico no qual o homem causa os problemas do planeta e é também responsável por encontrar as soluções, passei a refletir sobre o futuro. E desenvolvi uma teoria: a do egoísmo responsável.

Trata-se, como o nome indica, de uma alternativa (ou de uma saída) para viver sem preocupações coletivas complexas (que tornariam a vida um tormento, conforme esta teoria) e, ao mesmo tempo, buscar contribuir da forma que for possível.

O diagnóstico é mais ou menos claro, seja qual for o ramo de estudo (do clima e as alterações causadas pelo aquecimento global ao esoterismo e a teoria Gaia): estamos destruindo o planeta, um processo que ganha velocidade cada vez maior.


De acordo com o filósofo Luiz Felipe Pondé, o ser humano desenvolveu tecnologia e conhecimento que lhe permitem viver mais (a expectativa de vida aumentou de 30 a 40 anos ao longo dos últimos séculos) e estabeleceu uma sociedade baseada na riqueza – modelo que ele considera irreversível, já que sistemas alternativos fracassaram.

Está posto o problema: a insustentabilidade do desejo. Como associar nossos desejos de felicidade e consumo com os limites de recursos do planeta?

(Pondé alerta para o risco de uma espécie de fascismo verde ao se pensar em estabelecer limites por meio de uma governança global, mas isto é outra discussão.)

Na equação da vida, a soma de felicidade (consumo) e direitos resulta em degradação. Segundo o filósofo, o ser humano sonha ter o nível de consumo dos Estados Unidos e o de bem-estar social da Suécia, uma conta que definitivamente não fecha num mundo com mais de sete bilhões de pessoas.

O desejo humano, portanto, é perigoso. Corre-se o risco de se materializar o mundo pensado pelo filósofo inglês Thomas Hobbes da guerra de todos contra todos – vejamos a atual crise da água...

Ao refletir sobre estas questões, concluí que criamos uma armadilha. A não ser que ocorra uma catástrofe planetária, o mundo não vai aguentar.

O nível crescente de consumo (pense no seu celular e em quanto tempo você deseja trocá-lo por um novo) não é compatível com os recursos disponíveis. A população mundial segue crescendo em ritmo acelerado. Se o apocalipse não vier dos céus, virá da ação humana. Inevitável.

Contudo, por mais que este processo esteja acelerado, ainda levará algumas gerações para chegar ao ponto limite em que a vida humana se tornará insustentável. O que fazer, então?

Martirizar-se com uma preocupação coletiva – “o que estamos fazendo?” - ou mudar radicalmente de vida (abandonar quaisquer traços de consumo, passar a viver em meio a natureza, estabelecendo novos hábitos alimentares e abrindo mão de uma série de prazeres - viajar, por exemplo, que implica na queima de combustíveis fósseis, um dos principais elementos do aquecimento global)?

Daí surge a teoria do egoísmo responsável. Egoísmo porque pressupõe a preocupação individual – já que não viverei o fim, a extinção, o apocalipse, levarei minha vida normalmente sem maiores preocupações coletivas globais. Darei-me o direito dos pequenos prazeres cotidianos (um “fast food”, um carro, um celular, uma viagem...), etc.

Ao mesmo tempo, como parte desta escolha (de fazer parte da inevitável sociedade de consumo), terei ações responsáveis ao meu alcance: reciclarei o lixo, buscarei alimentos orgânicos, terei uma vida mais civilizada, não jogarei resíduos na rua, evitarei o desperdício de recursos, procurarei fontes sustentáveis de energia, etc. Será a minha contribuição – como na história do passarinho, de cada um, com pequenos gestos, fazer a sua parte.

Egoísmo responsável!

Em tempo 1: se alguém topar, será um prazer refletir se, de fato, criamos uma sociedade sem volta, um caminho inexorável. Criamos?

Em tempo 2: outro filósofo, Hélio Schwartsman, mostrou em recente coluna na “Folha de S. Paulo” como a melhoria de vida alcançada nas últimas décadas criou novos desafios para o ser humano no campo da saúde – “Estamos ficando mais saudáveis, mas isso apenas nos empurra para mortes mais sofridas”. E assim será, sempre.

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