terça-feira, 5 de abril de 2011 | |

"Taxar os carros”

Pego o carro em casa e em 10, no máximo 15 minutos estaciono na garagem da Folha. Eventualmente faço o percurso a pé - uma caminhada de menos de 40 minutos. Ônibus? Metrô? Jamais.

Sou mais um paulistano acomodado a esbravejar contra o trânsito infernal da cidade. "Mas o transporte público não nos dá alternativa, é precário, de péssima qualidade" - é muito comum ouvir isso na classe média motorizada. Uma meia verdade que serve como álibi.

Público, para nós, não designa aquilo que é comum, a que todos têm direito, mas aquilo a que estão condenados os que não podem pagar pelo serviço privado. Vale para a escola particular, vale para o plano de saúde, vale para o carro...

É óbvio que os 70 km de metrô existentes na cidade são insuficientes (o dobro disso seria razoável). É sabido que o transporte público é deficiente. Mas isso vale sobretudo para a periferia. É o ônibus do morador do Grajaú que passa sempre atrasado e vive superlotado.

Em termos de conforto, é claro que nada substitui o carrinho -horários flexíveis, som à la carte, privacidade. Mais do que um meio de transporte, ele é um modo de vida. Encapsulados ali, travamos nas ruas uma espécie de guerra hobbesiana, de todos contra todos.

Mas veja que coisa: na liberal Inglaterra, 93% dos londrinos fazem uso do transporte público. Os estacionamentos foram proibidos nas regiões centrais da cidade e quem circula por ali paga um pedágio. Foi o arquiteto Richard Rogers, criador do Beaubourg, de Paris, quem lembrou isso à Folha nesta semana.

Por que não taxar a circulação de carros nas regiões mais saturadas da cidade? Que prefeito bancaria isso? Logo desconfiamos que o dinheiro não seria usado para financiar a melhoria do transporte coletivo e ainda lembramos que muitos políticos são só larápios de gravata.


Essa talvez seja uma verdade e meia. Mas é também um álibi para que tudo fique como está. Ou piore.


Fonte: Fernando de Barros e Silva, "Folha de S. Paulo", Opinião, p. 2, 2/4/2011.

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