Quero falar de uma coisa
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor
Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Quantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê
Flor, flor e fruto
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Quantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê
Flor, flor e fruto
Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, planta e sentimento
Folhas, coração
Juventude e fé
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, planta e sentimento
Folhas, coração
Juventude e fé
(“Coração de Estudante”, de Milton Nascimento e Wagner Tiso)
Entrevistar personagens que desempenharam papeis cruciais em
momentos decisivos da história, ou que tiveram a oportunidade ao menos de
acompanhar estes momentos, sempre me motivou de modo profundo.
Hoje, às vésperas de completar 30
anos da morte do presidente Tancredo Neves (o primeiro civil que comandaria o
país após duas décadas de ditadura militar e que adoeceu momentos antes de
tomar posse), tive a oportunidade de entrevistar o ex-governador do Rio Grande
do Sul (1995-98) e secretário de imprensa da Presidência da República no futuro
governo Tancredo, Antônio Britto Filho.
Afastado da política desde os anos 2000, Britto hoje é
presidente-executivo da Interfarma, a Associação Brasileira da Indústria
Farmacêutica de Pesquisa. Ele recebeu a equipe da TV Cultura na sede da
entidade e relembrou como foi o momento mais importante da história do país nos
últimos 30 anos.
Um momento dramático e de forte comoção social, comparável
apenas ao que se viu na morte do piloto Ayrton Senna. Tancredo, a figura que
permitiria ao Brasil deixar as trevas, viu apagar sua luz naquele 21 de abril
de 1985, jogando o país num mar de incertezas que ameaçava a frágil reconquista
da democracia.
Naquele triste momento, Britto foi responsável por comunicar
ao país oficialmente a morte do presidente – com palavras que, ele revelou na
entrevista, estavam escritas já há alguns dias:
“Lamento informar que o excelentíssimo presidente da República, Tancredo de Almeida Neves, faleceu esta noite, no Instituto do Coração, às dez horas e 23 minutos.
Acrescento o seguinte: nos últimos 50 anos, a vida pública de Tancredo Neves confundiu-se com os sonhos e os ideais brasileiros de união, de democracia, de justiça social e de liberdade. Nos últimos meses, pela vontade do povo e com a liderança de Tancredo Neves, estes ideais se transformaram na Nova República.
A emocionante corrente de fé e de solidariedade das últimas semanas, enquanto o presidente Tancredo Neves lutava pela vida, só fez crescer este sentimento de união que foi sempre ação, exemplo e objetivo de Tancredo Neves. Com a mesma fé, com a mesma determinação o Brasil haverá, a partir de agora, de realizar os ideais do líder que acaba de perder, Tancredo Neves.”
A seguir, a íntegra da entrevista – gravada a pedido da
TVE-RS, parceira da TV Cultura. Uma entrevista que todo brasileiro deveria ler:
Como começou a sua relação política com o ex-presidente Tancredo Neves?
Antônio Britto – De uma forma absolutamente profissional. Eu
era jornalista, trabalhava na época na Rede Globo, encarregado da cobertura de
temas políticos de Brasília, e à época obviamente não havia como cobrir
política sem estar em contato com o dr. Tancredo, como fonte, como entrevistado,
e com as pessoas que o cercavam naquele momento muito especial da vida
brasileira, em que se procurava fazer a transição que viesse a encerrar o regime
militar.
O contato com os políticos era diferente? Os políticos eram
diferentes naquela época?
Britto – Acho que é óbvio que há uma mudança grande. Em
primeiro lugar porque à época a luta brasileira pela democracia, o sofrimento
brasileiro com o regime militar transformava aquelas lideranças políticas em
figuras altamente respeitadas. Pelo sacrifício, pela luta. Eram pessoas que, ao
contrário de hoje, elas é que levavam a população às ruas e elas podiam não
apenas estar nas ruas, mas serem festejadas pelas ruas. O Brasil vive uma
situação muito curiosa porque nestes 30 anos a partir da morte do dr. Tancredo,
temos 30 anos em que a democracia se consolidou, e este é o grande legado dos
30 anos, mas, ironicamente, a democracia brasileira consolidada como nunca respeita
aos partidos políticos e aos próprios políticos de uma forma praticamente zero.
Então, como é que a democracia pode se afirmar e os políticos puderam caminhar
na direção contrária? Como é que a gente tem uma democracia que se afirma e
partidos que se afundam? Onde é que a gente está errando?
O sr. mencionou a estabilidade democrática como grande
legado destes 30 anos. O sr. atribui isto ao dr. Tancredo? Qual o legado dele?
Britto – A democracia não é a conquista de uma pessoa, é uma
conquista da sociedade brasileira. De todo mundo que sofreu, que lutou para que
o país se tornasse o que é hoje, um país com liberdade de expressão, liberdade
de opinião, liberdade de voto. Eu gosto de dizer que o dr. Tancredo, portanto,
não foi quem deu a democracia ao Brasil. A democracia viria sem ele. O que o dr.
Tancredo foi é o atalho brasileiro para a democracia. Sem ele, não se sabe
quanto tempo a mais a democracia demoraria e nem se sabe que custo adicional a
conquista pela democracia imporia. O papel importante historicamente do dr.
Tancredo me parece ter sido funcionar como um atalho que encurtou o tempo e
reduziu o custo para a chegada do país à democracia. Nessa medida, graças ao
fato de ele ser uma pessoa que conseguia encaminhar o Brasil em direção ao novo
sem romper, sem assustar o velho, acabou se tornando a pessoal ideal para,
derrotada a ideia das eleições diretas, encaminhar a solução. Acho que este é o
grande papel histórico dele naquele episódio.
Um papel histórico num momento peculiar do país. E aí o primeiro
presidente civil pós-ditadura não toma posse. O sr. acompanhou todos aqueles momentos
de angústia nacional. Como foi?
Britto – Acho que ali havia na verdade a soma de duas
angústias, da parte de todos os brasileiros. A primeira com o sofrimento que um
ser humano chamado Tancredo Neves passou, naquele verdadeiro calvário de 38
dias. Mas havia um segundo sofrimento, uma segunda angústia, com a ironia do
destino em relação ao processo brasileiro. Você tem 20 anos de regime militar,
você luta para poder sair disso e o articulador, o atalho desse processo, acaba
falecendo. O que gerava em todos nós uma grande insegurança sobre o que
aconteceria sem ele. Porque dr. Tancredo tinha sido o construtor daquela
arquitetura e aquela arquitetura era extremamente frágil. Até o último momento
havia quem não quisesse o retorno à democracia. Então, acho que as duas
angústias se sobrepunham. A angústia em relação ao que se passava com o cidadão
Tancredo Neves, com o ser humano Tancredo Neves, mas também a angústia, a
preocupação com o que poderia acontecer com o Brasil sem Tancredo Neves.
Em que momento naqueles 38 dias o sr. teve a informação, ou
a convicção, de que o quadro de saúde do presidente era irreversível?
Britto – A imprensa noticiou isso exaustivamente à época,
não há mistério, não há segredo sobre esse episódio todo. Portanto ela própria
divulgou que a partir dos últimos dez dias apenas um milagre que a ciência não
pudesse causar nem explicar permitiria uma recuperação do dr. Tancredo. Ali se
criou aquela angústia, que é comum infelizmente em certas situações, de ter a
repetição de esforços feitos pelos cientistas, pelos médicos, sem a
correspondência da saúde do paciente.
Após a morte do presidente Tancredo, durante muitos anos
surgiram várias dúvidas e suspeitas. Algo naquele momento foi informado
diferentemente da realidade? Qual a real causa da morte do presidente?
Britto – Se tu chamas qualquer pessoa no mundo e diz que um
presidente da República vai tomar posse às dez da manhã, vai para um hospital
às nove da noite, dez da noite do dia anterior, e morre dentro do hospital
depois de 38 dias, o episódio é tão absurdamente surpreendente, tão
absurdamente fora de tudo que a lenda, o boato, a mentira correm soltos. Por quê?
Porque a verdade é dura de aceitar. Isto é muito comum na vida de todos nós.
Quando a verdade é muito dura de aceitar fica fácil o caminho para as outras
coisas. E é o que aconteceu. A história do dr. Tancredo é extremamente simples:
um senhor de 75 anos, com saúde frágil, está envolvido num trabalho
superimportante. Começa a sentir alguma coisa e não cuida, continua sentindo e
não cuida, quando vai cuidar não tem mais como cuidar. Cada um de nós conhece
essa história dezenas de vezes. Agora, se eu contar a mesma história e disser
que o nome daquela pessoa é Tancredo Neves e o trabalho dela é ser presidente
da República depois de 20 anos de ditadura militar, todo mundo que acreditava até
um minuto atrás já deixa de acreditar. Então é isso. A parte médica eu adotei,
faria tudo de novo hoje, uma coisa que me parece óbvia, que eu aprendi no
jornalismo, que é a minha profissão: não sou médico, não era médico, não
entendo de medicina, não me cabia nem podia examinar o dr. Tancredo e
diagnosticar o que ele tinha e o que não tinha. Logo, só poderia informar
aquilo que eu fosse informado por quem fazia isso. Quem? Os médicos. E como é que
eles informavam? Assinando e dando os boletins. À medida que os fatos foram
avançando ficou claro para mim, até com o senso de repórter, e ficou claro de
forma crescente para todo mundo que o que se esperava que fosse alguma coisa
temporária era muito grave e que talvez não tivesse um bom desfecho. E aí eu
entendi, porque seria também responsabilidade nossa, ao lado de todos que
trabalharam nisso, sem perder a esperança de um milagre, entendi que era
necessário preparar a população para o fato de que se havia a hipótese do
milagre, havia também muito forte a hipótese de, não ocorrendo o milagre, haver
um final trágico, que foi o que infelizmente acabou acontecendo.
A trajetória do dr. Tancredo o inspirou em sua carreira como
deputado e depois como governador?
Britto – Quem convive com figuras como dr. Tancredo, dr.
Ulysses (Guimarães), uma figura muito cara ao Rio Grande do Sul que é o
governador (Leonel) Brizola, para citar apenas três exemplos, teve o privilégio
de conviver com uma geração extraordinária de políticos com algumas características
que são importantes. A característica, em primeiro lugar, do interesse público.
Ou seja: acertaram ou erraram, mas errar ou acertar por entender que aquilo era
o melhor para quem? O país. Minha origem na política é isso. Na política como
na vida não há fórmula para acertar sempre. A questão que diferencia um político
do outro é se ele erra ou acerta por estar tentando o interesse público ou se
ele erra ou acerta, e geralmente vai errar, por considerar variáveis que não
têm nada a ver com o interesse das pessoas, com o interesse da população e com
o interesse público. Então eu acho que o grande legado que essa geração, e não
apenas o dr. Tancredo, deixou ao Brasil é, em primeiro lugar, de uma grande
visão do que seja o chamado interesse público. No caso específico do dr.
Tancredo, a habilidade, que é uma forma de fazer política tentando buscar o
consenso. No Rio Grande do Sul tem algumas pessoas que pensam que a briga é
obrigatória. Não, não tem nenhuma lei que impediu que ao final de uma conversa as
pessoas se acertem. E a política é o caminho de tentar conciliar posições quando
possível. E nisso o dr. Tancredo era absolutamente imbatível.
O sr. falou de considerar outros interesses que não o
interesse nacional. Com os rumos que a nossa democracia tomou, o sr. considera
possível que um presidente manifeste suas convicções com sinceridade hoje?
Britto – Do ponto de vista partidário, o país hoje é muito
mais complicado. O dr. Tancredo teve dificuldades para montar o ministério
porque precisava conciliar todos que haviam apoiado a redemocratização. Nós fomos
andando para trás nisso. Aumentamos o número de partidos, reduzimos a
legitimidade dos partidos, aí tivemos que aumentar o tamanho dos governos, o
que aumenta a briga para preencher os cargos no governo, e eu não estou falando
do filme que está passando agora no cinema, estou falando do filme que é quase
permanente no Brasil. Então, repetindo o que eu disse, estamos vivendo um
paradoxo. A democracia brasileira é mais forte do que nunca, mas os personagens
muito importantes, não são os mais importantes, mas muito importantes na
democracia, que são os parlamentos, os partidos e os políticos estão mais
frágeis do que nunca. Alguma coisa perigosamente está errada.
O sr. se recorda com exatidão das palavras do anúncio da
morte do presidente? Quais sentimentos aquilo despertou no sr. na ocasião e o
que desperta hoje?
Britto – Não saberia obviamente lembrar todas as palavras. À
medida que a situação do presidente foi se agravando, eu pessoalmente, além do sofrimento,
comecei a me dar conta que íamos entrar num processo, havendo o falecimento do
presidente, primeiro de enorme comoção popular, o que é sempre algo difícil de
administrar. Segundo, de enorme inquietação popular. O que acontece agora? Para
onde a gente vai? E que seria muito importante que a gente pudesse transmitir
os acontecimentos de modo a, sem deixar de expressar a tristeza, a dor que era
de todos, ao mesmo tempo procurar ajudar a tranquilizar a população e acima de
tudo procurar mostrar e a ajudar a mostrar que era preciso, após o falecimento
do dr. Tancredo, honrar e dar continuidade. Então eu tinha essas três coisas na
cabeça. Aí, refletindo no meio daquela tempestade toda: “eu vou fazer uma coisa
que eu tenho que fazer, só eu posso fazer na circunstância, eu vou deixar
pronto o papel que espero que eu nunca use”, mas cada vez mais achava que ia
fazer. E aí comecei a fazer, mexia um pouco, etc, à mão, guardava com todo cuidado
sempre preso dentro do bolso de dentro do casaco até o momento em que,
infelizmente, foi necessário usar o tal do papel – que eu guardei e foi doado ao
museu Tancredo Neves. E aí, quando enfim me cabia comunicar ao país que ele
tinha falecido, a minha preocupação foi de ordem física. Era tão grande a dor,
era tão grande o sofrimento com aquilo tudo que eu temia não ter respiração. Foi
aí que eu decidi ao invés de descer de elevador, desci de escada o Incor
(Instituto de Coração) porque achei que descendo de escada eu ia ajudando a
respirar e tal. E o resto todo mundo sabe.
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