sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011 | |

Um ano depois

Três semanas atrás, o Brasil inteiro viu uma tragédia crescer, na Região Serrana do Rio de Janeiro, alimentada pelo número de mortos da enchente. Nesta sexta-feira (4), são 878 mortos, e ainda há 413 desaparecidos.

Todo mundo lembra que, no ano passado, o estado do Rio de Janeiro tinha enfrentado outras situações trágicas em tempestades. Foram 134 mortos.

O Jornal Nacional foi investigar como estão, hoje, os lugares que produziram tantas lágrimas e tantas promessas nas chuvas de 2010. A reportagem é de André Luiz Azevedo.

As obras de contenção ainda não chegaram nem à metade, e o sofrimento dos sobreviventes da chuva que matou 53 pessoas na noite de réveillon de 2010, no litoral sul do Rio de Janeiro, também parece ainda longe do fim.

Em Angra dos Reis, no Morro da Carioca, as obras estão atrasadas. O muro de contenção deveria ficar pronto em um ano e ter 260 metros. O prazo estourou, e o muro tem apenas 80 metros. Segundo os moradores, a primeira promessa é de que as casas para os desabrigados seriam entregue em seis meses. Seria uma obra rápida, mas a tragédia já completou um ano, e ninguém ainda pode se mudar.

Um casal de aposentados perdeu a casa, recebe aluguel social e mora em um local improvisado. Mais de 1,2 mil famílias também ainda dependem da ajuda. “A gente está esperando para ver”, afirma a senhora.

Angra recebeu R$ 110 milhões de repasses dos Governos Federal e Estadual. O prefeito da cidade, Tuca Jordão, diz que parte dos apartamentos já está pronta, e eles serão entregues ainda este mês. Os demais, só em abril. Ele reclama da burocracia para liberação do dinheiro.

“A gente precisa exatamente acelerar esse ponto. Essa liberação é fundamental para que as obras que poderão levar oito ou nove meses não levem um ano ou um ano e meio como está acontecendo aqui”, destaca Tuca Jordão.

O governo do estado, responsável pelas obras, afirmou que não houve demora nos repasses, mas que as chuvas de janeiro deste ano e brigas judiciais envolvendo moradores que não querem deixar as áreas de risco atrasaram as obras.

Em abril de 2010, foi a Região Metropolitana do Rio de Janeiro que enfrentou um temporal que provocou destruição e morte.

A promessa é de que ninguém ficaria mais em áreas de risco no Morro dos Prazeres em Santa Teresa, onde 34 pessoas morreram nas chuvas do ano passado, mas basta uma pequena caminhada, bem ao lado de onde houve o desabamento, e nós encontramos moradores que não querem sair de casa.

“Nós começamos também um trabalho de mapeamento de risco na cidade do Rio de Janeiro. Nesse mapeamento, nós vimos que não havia necessidade de retirar todas as famílias do Morro dos Prazeres. Então, nós nos concentramos naquelas famílias que tinham problemas de alto risco, problemas sérios que pessoas que estavam ali ainda poderiam sofrer consequência”, destaca o secretário municipal de obras do Rio de Janeiro, Alexandre Pinto.

Duzentas famílias foram removidas da favela. Quarenta moradores entraram na Justiça contra a remoção ou em busca de uma indenização maior.

Também em abril, o Morro do Bumba, em Niterói, deslizou, e 47 pessoas morreram. Hoje, o aspecto já é de uma área recuperada. Mas a situação de quem perdeu a casa é bem diferente.

Pelos números oficiais, sete mil famílias ficaram desabrigadas em toda a cidade. E a prefeitura admite que quatro mil famílias não receberam o aluguel social nem indenização. Outras 400 ainda vivem em abrigos.

A prefeitura prometeu a construção de 7,5 mil casas, mas a previsão é que elas só fiquem prontas no ano que vem. Enquanto isso, as famílias, que já passaram por três abrigos diferentes, vivem agora em um quartel do Exército.

“Estão nos fazendo de marionete. O que acontece é uma humilhação. Você pega os poucos móveis que você já tem. Quando você já vai montar, já está tudo capenga. Tem que botar tijolo, e é isso que a prefeitura está fazendo com nós. Esse é a dignidade que eles disseram que nós temos aqui”, critica a desabrigada Simone de Oliveira.

A entrada da nossa equipe foi proibida, mas fotos mostram que os galpões foram divididos com tapumes de madeira. “Essas pessoas estão dentro de cômodos. Você tem famílias com cinco ou seis crianças. Ou seja, seis pessoas na família. Realmente, não tem como essas pessoas ficarem”, diz Francisco de Souza, presidente da associação de vítimas do Morro do Bumba.

Adriana estava grávida quando a casa desabou. E a primeira moradia do pequeno João Pedro, de um mês, é o abrigo. “É meio precária a situação dele, mas está indo”, conta a jovem. Adriana também revela que não tem perspectiva de ir para um apartamento definitivo.


A prefeitura de Niterói preferiu se pronunciar por nota e negou que as condições dos abrigos sejam precárias. Sobre as quatro mil famílias que ainda não recebem o aluguel social, a prefeitura afirma que espera a assinatura de um convênio com o Governo do Estado para liberar a verba.


Fonte: "Jornal Nacional", TV Globo, 4/2/11 (para assistir à reportagem, clique aqui).

Eis algumas das razões pelas quais culpo o Poder Público pelas tragédias "naturais" que atingem o Brasil. Porque sempre há um dedo humano nestas tragédias...

Em tempo: belo trabalho jornalístico da equipe da TV Globo. Relembrar promessas, cobrar, mostrar para prevenir são diferenciais na cobertura factual.

PS: esta questão já foi tratada neste blog em algumas ocasiões. Leia aqui e aqui.

1 comentários:

Paulo Silas disse...

Sem dúvida que o Poder Público é o grande responsável, pois não fiscaliza os setores ocupados irregularmente e nem se esforça para criar áreas verdes que certamente auxiliariam na absorção da água. Nem preciso citar a educação social. Medidas simples contribuiriam com o meio ambiente e também com qualidade de vida da população em geral.

Neste ano, quando Nova York enfrentou uma das piores nevascas em anos, o setor de gerenciamento de emergências da cidade mais famosa do mundo não conseguiu dar conta de toda neve que caiu em poucas horas, provocando transtornos em toda a cidade. Porém, o responsável pelo sistema reconheceu publicamente as falhas, prometendo melhoras significativas. Pelo jeito cumpriu. Nova York voltou a ser atingida por uma nevasca muito forte na semana passada e o sistema funcionou como previsto inicialmente.

No Brasil, nem isso os nossos governantes são capazes: de reconhecer os erros. Imagine, então, cumprir com promessas.