segunda-feira, 7 de dezembro de 2009 | |

Publicidade e jornalismo

Os jornais de Limeira voltaram a usar no final de semana um expediente bastante polêmico do ponto de vista jornalístico. Costumo defini-lo como anúncio invasivo (veja imagem).




Esse recurso não é novo na imprensa. Do ponto de vista do marketing e da publicidade, não resta dúvida sobre sua eficácia. Anúncios desse tipo são notadamente criativos e chamam a atenção. Este é o ponto. O anúncio chama tanto a atenção que deixa a notícia em segundo plano.

Reitero que o problema neste tipo de anúncio não reside na questão publicitária. A pergunta é outra: esse tipo de publicidade prejudica a leitura das matérias? A resposta me parece clara.

Não nego que, neste quesito, sou um tanto conservador. Assumo a posição do designer de jornais Chico Amaral, do estúdio Cases i Associats, de Barcelona. Em palestra num seminário promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), ele manifestou preocupação com anúncios que "invadem" as reportagens e afetam a leitura. Segundo ele, a publicidade deveria valorizar o que o meio jornal tem de único e não tentar se apropriar de mecanismos da Internet ou da TV.

Obviamente, não se deve ter uma posição radical. Mas se esta não pode ser tomada em defesa do jornalismo, tampouco deve ser tomada em defesa da publicidade (ou seja, sob o argumento de que tal recurso é criativo e que traz dinheiro).

Aliás, nesse quesito, talvez seja interessante recorrer ao que escreveu Eugênio Bucci em seu “Sobre ética e imprensa” (São Paulo: Companhia das Letras, 2000). Diz ele: “(A lógica) começa pela certeza de que quem sustenta qualquer empresa dedicada ao jornalismo não é a publicidade, mas a credibilidade pública. Um engano bastante comum (...) é supor que a publicidade garante o sustento dos veículos de imprensa. O engano é comum porque se apóia em números verdadeiros. O público não vai atrás do anunciante, mas o contrário. Portanto, (...) para atrair e manter anunciantes é preciso cativar, conquistar e manter o público. (...) O que ‘ajuda’ a publicidade a atingir suas metas é o bom jornalismo praticado pelo veículo, e é só dessa forma – construindo a credibilidade – que o jornalismo pode ‘ajudar’ a publicidade.”

Há quem possa dizer que esses anúncios atrairão dinheiro, o que poderá resultar em investimentos jornalísticos. A prática das empresas, porém, tem mostrado que isso não é verdade. As redações, via de regra, têm sido sucateadas.

A aposta na publicidade a qualquer custo (e a busca por resultados imediatos) em detrimento do investimento jornalístico (com retorno a médio prazo, inclusive publicitário) talvez ajude a explicar a atual crise de parte da imprensa.

Se alguém considera exagerada a minha observação, responda honestamente: gostou de ler (do ponto de vista da legibilidade) as reportagens afetadas pelo anúncio?

***
A discussão não é nova – uma breve pesquisa nos arquivos da “Folha de S. Paulo” resulta numa série de textos abordando a questão. Um apanhado deles segue abaixo (com os devidos links, que exigem senha. Repare que alguns deles partiram de leitores).

Claro que os comerciais podem ter lugar em órgãos da imprensa.Mas a dignidade do jornal exige que este lugar ocupe o segundo plano da informação, da notícia, que constitui a matéria-prima da imprensa. As capas promocionais frustram a expectativa do leitor, que pega o jornal ávido para se informar e tropeça de cabeça com um anúncio gritante. A mensagem subliminar passada ao leitor pelas capas é a de que o jornal foi engolido pela publicidade. Como poderemos confiar na independência do jornal quando este caiu sob os tentáculos do Leviatã da publicidade? Sim, porque a informação tem primazia absoluta sobre os interesses comerciais da empresa, e jamais poderia ser passada para trás, privilegiando o alto empresariado nacional e multinacional.
De
Gilberto de Mello Kujawski em 1 de fevereiro de 2009

Achei lamentável a edição gráfica das páginas A11, A12 e A13 (caderno Brasil) da edição de ontem. As notícias ficaram totalmente subordinadas ao estilo gráfico irreverente da publicidade. Era impossível concentrar-se na informação por causa do impacto visual do anúncio. Se foi um sucesso publicitário, a edição foi um fracasso jornalístico.
De
Aline Leal Barbosa em 18 de março de 2008

A publicidade não é inimiga do jornalismo - sem ela, componente fundamental da receita, um jornal pode acabar se financiando de modo heterodoxo. Trata-se, contudo, de atividades distintas: a finalidade do jornalismo é informar.
A diretora de Revistas diz que a Redação só tem acesso prévio aos "anúncios irregulares, que interferem na diagramação e/ou que citam produtos editoriais". Esses podem ser recusados.
De
Mário Magalhães, ombudsman, em 1 de julho de 2007

Muitas falhas podem ser atribuídas à Folha, mas dentre elas não está o hábito de permitir que interesses da área Comercial se misturem ao noticiário.
Na segunda-feira, porém, houve um chato escorregão, quando o anúncio de um banco, em formato de "u" invertido, enquadrou, isolando-o totalmente, um texto jornalístico que, numa primeira mirada, facilmente se confundia, assim, com a própria publicidade. (...)
Compreende-se que os publicitários busquem formas criativas capazes de -nos termos de um leitor que reclamou desse "desrespeito" para com a reportagem enquadrada- carnavalizar as páginas dos jornais. Cumprem seu ofício.
Mas não é desejável, apesar das dificuldades econômicas atuais dos meios de comunicação, que estes façam concessões que possam levar ao esfarelamento da tradicional e indispensável separação entre publicidade e notícia.
De
Bernardo Ajzenberg, ombudsman, em 18 de maio de 2003

Anúncio é renda. (...)
Há uma disputa muito grande entre os diversos meios de comunicação pelas verbas publicitárias, e os jornais vêm perdendo terreno. (...)
Os jornais têm, portanto, que se mexer. Devem oferecer eficiência (de venda) e criatividade para os seus anunciantes.
Anúncio é informação. (...)
Mas e o leitor? Ele não recusa inovações ou anúncios criativos. O que o incomoda é qualquer coisa que dificulte a leitura do jornal. Nesses casos, reclama, e com toda a razão. O jornal tem de usar o bom senso nessas horas para conciliar os seus interesses com os dos anunciantes e, principalmente, os dos leitores.
De Marcelo Beraba, ombudsman, em 13 de junho de 2004

A meu ver, trata-se de procedimento errado. A última palavra sobre a invasão do terreno tradicionalmente informativo deveria ser da Redação.
De
Carlos Eduardo Lins da Silva, ombudsman, em 19 de outubro de 2008

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