Nunca vi com bons olhos os famosos programas policialescos que atraem audiência - e, em alguns casos, dinheiro - para as emissoras. Até que me vi no epicentro de um deles.
Por dois anos, apresentei (não digo comandei porque minha participação na produção era mínima) um desses programas no interior de São Paulo. Foi uma experiência rica do ponto de vista de aprendizado (para colocar em teste todas as teorias e [pre]conceitos que tinha em relação ao formato).
Naturalmente, continua o reprovando de modo geral. Há um apelo barato e por vezes desrespeitoso, uma temática que pouco estimula a reflexão ao tratar a violência pela violência, sem contar o tom justiceiro e, em muitos casos, o desrespeito às leis - um levantamento divulgado recentemente apontou 12 leis afrontadas por diversos programas no país.
Claro que, ao assumir um programa com tais características, procurei na medida do possível mudar o tom. Não sou a pessoa mais adequada para dizer se isto foi alcançado (embora tenha ouvido depoimentos nesse sentido de muitos telespectadores).
A quem me pergunta, porém, costumo dizer que minha maior vitória à frente do programa foi justamente o que não foi exibido.
Um episódio singular exemplifica isto: certa vez, recebi um telefonema na Redação dando conta de que um homem estaria vivendo numa casa com um cavalo. Detalhe: o cavalo não ficava no quintal, e sim dentro do imóvel. Quem fazia o relato era um vizinho preocupado com a situação do homem, um jovem.
Dirigi-me até o endereço com o cinegrafista e confirmei a situação. O jovem vivia de fato com o cavalo, que tinha um quarto à disposição, cheio de feno (ou algo semelhante). Em resumo, o rapaz era usuário de drogas e tinha sido de alguma forma "abandonado" pela família, que não aguentava mais cuidar dele. Coloquei aspas no verbo porque a família dava um dinheiro ao jovem, ou pagava o aluguel do imóvel (não me recordo).
Fiz as imagens e entrevistei o jovem. Ele admitiu o uso de entorpecentes, criticou a família e disse que o cavalo era seu melhor amigo. Também cobrou a antecipação por parte de familiares de uma suposta herança (ou da parte que supostamente lhe caberia).
A cena era indigna e degradante. Um homem dividindo um espaço sujo com um cavalo.
Ao chegar à Redação, entrei em contato com um parente e relatei o caso. Ouvi que "não adiantava ajudá-lo, que a família já tinha feito de tudo e tentado de tudo, mas que o jovem não tinha jeito". Também ouvi que os familiares ajudavam com pagamento de contas de água, luz ou algo assim e que a suposta herança não podia ser paga simplesmente porque não existia (não naquele momento).
Refleti muito se deveria ou não colocar a reportagem no ar. Conversei com alguns colegas. Pensei de que forma exibir o material contribuiria com aquele rapaz e com a promoção da cidadania. Não encontrava respostas satisfatórias. Até que ouvi de um colega a senha para a decisão. Disse ele:
- Se for pro ar, será apenas mais uma dessas reportagens.
De tantas semelhantes que o programa historicamente tinha feito.
Naquele momento, diante daquela manifestação, eu - ainda no início de minha participação como apresentador - decidi que o material não seria exibido. E não foi.
sábado, 6 de fevereiro de 2016 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 17:25 |
A reportagem que não exibi
Marcadores: sensacionalismo, telejornalismo, televisão
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