Como mostrou ontem o repórter Evandro Spinelli na Folha, o risco de um desastre de grandes proporções na belíssima região de Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo foi detectado há dois anos por um estudo técnico encomendado pelo próprio governo do Rio.
E o que o governo fez com o resultado? Largou às traças, deixou pegando poeira na burocracia, empurrou para a gaveta ou simplesmente jogou no lixo -junto com o dinheiro público que o pagou.
Horas antes, as autoridades tiveram nova chance de não dar asas ao azar: o novo radar da Prefeitura do Rio e o Instituto Nacional de Meteorologia identificaram previamente a formação da tempestade.
E o que foi feito? Nada. Os órgãos atuaram isoladamente, não como um sistema integrado, em que o alerta se reproduz entre as várias instâncias, tem consequências e salva vidas. Mas não. É como se o radar fosse de enfeite, e o Inmet, só para inglês ver.
Num ótimo artigo, o colega Marcos Sá Correa defendeu que o remédio é responsabilizar homens públicos - e não abstratamente o Estado - pelos crimes que cometem contra a vida. É crime dar levianamente alvará de construção e "habite-se" para imóveis em encostas, fechar os olhos para casas em áreas de risco, desprezar alertas de tempestades e de outras intempéries.
Para complementar a sugestão do Marcos, a Polícia Federal deveria investigar também esse tipo de crime que pode resultar em 500, 600 mortes, famílias inteiras destruídas, casas despedaçadas, bilhões de prejuízos aos bolsos particulares e aos cofres públicos.
Se não vai por bem, vai por mal -na base da ameaça. Mais ou menos como no caso do cinto de segurança: todo mundo só passou a usar depois de criada a multa.
No rastro da Satiagraha, da Sanguessuga, da Castelo de Areia, fica aí a sugestão para o novo diretor-geral da PF, Leandro Coimbra: a operação "Desleixo Assassino".
Fonte: Eliane Cantanhêde, Desleixo assassino, "Folha de S. Paulo", Opinião, p. 2, 16/1/11.
No caso da tragédia do Rio, é só somar 1+1+1 e o resultado inexorável será a incompetência do poder público e o retrato de um país que tem mais de submergido que de emergente.
Primeiro 1 - O "Jornal Nacional" de quinta-feira mostrou que choveu mais em Portugal e na Austrália do que no Rio de Janeiro. Mas o número de mortos no Rio foi esmagadoramente superior.
Segundo 1 - O serviço de meteorologia emitiu aviso especial sobre a iminência de fortes chuvas precisamente nas áreas que acabaram sendo devastadas. Uma das prefeituras reconheceu ter recebido o aviso cinco horas antes da explosão. Nada foi feito.
Terceiro 1 - A manchete desta Folha, ontem, mostra que desde 2008 o Rio de Janeiro sabia perfeitamente que havia riscos tremendos nas cidades que foram as principais vítimas.O que foi feito? Nada.
Tudo somado, o que se tem é o óbvio fato de que chuvas torrenciais podem acontecer, deslizamentos formidáveis também - e, até aí, a culpa é só da natureza -, mas falta, no Brasil, acontecer a prevenção.
Já nem digo a prevenção original, a de proibir construções em áreas de risco. A incompetência do poder público impediu que essa providência fosse tomada e, se fosse, seria inócua. Falta fiscalização.
Refiro-me à prevenção de, diante da iminência da catástrofe, minimizar os danos ou, ao menos, as mortes, os danos mais terríveis, mesmo nesta era de predominância da finança sobre a vida.
Posto de outra forma, o poder público não está presente nem antes, nem durante e nem depois da tragédia. Chama a atenção, pelo menos de longe, o fato de repórteres chegarem a locais aos quais, segundo informam, nenhum socorro conseguira chegar.
Em vez de emergente, o Brasil parece mais país em construção. Precária, muito precária.
Fonte: Clóvis Rossi, O emergente submergiu, "Folha de S. Paulo", Opinião, p. 2, 16/1/11.
Dois textos para aqueles que consideram um exagero culpar o Poder Público pelas tragédias naturais...
3 comentários:
Rodrigo, um absurdo é não culpar o poder público. A má administração e o descaso (o que é pior do que incompetência) são os principais culpados por este genocídio que estamos assistindo nos últimos dias.
A questão é que essa precariedade na admnistração pública não se resume apenas ao Rio de Janeiro, vale ressaltar que no estado de São Paulo, principalmente na Zona Leste, o mesmo problema com enchentes, alagamento, interdição das vias automotivas e etc, se repete, todos os anos.
Talvez o destaque que recebeu a região serrana do Rio deva-se as proporções apocalípticas que esta catástrofe tomou, mas só pra registrar que em São Paulo, a administração pública é, também, precária e incompentente, por isso vemos essa história se repetindo, verão após verão.
Muito pertinente a postagem. Neste blogue sempre um grande passeio. Parabéns.
Grande Abraço, Vinícius.
Concordo com você.
Abraços!
Hoje, em minha página no Facebook, li a seguinte frase "com o jornalismo on-line acabou o furo" - Mona Dorf, apresentadora e blogueira. Discordo completamente de Mona. O jornalismo impresso, televisivo e até mesmo radiofônico provam o contrário. Exemplos não faltam. Matérias que abordam escândalos políticos sempre estão na pauta dos grandes veículos de comunicação do País quando o assunto é furo de reportagem. Esses, facilmente, conseguem superar essas novas tendências. Jornalismo é apuração de dados e quanto mais qualificados melhor. Jornalismo é filtrar as informações para que o fato a ser noticiado seja claro, correto e objetivo. Enquanto os erros jornalísticos, por falta de informação, por ansiedade na divulgação do fato e pela busca pelo furo permearem o espaço das redes sociais, infelizmente a credibilidade do jornalismo on-line ainda estará arranhada. Sempre haverá uma dúvida em relação à veracidade da notícia publicada. Muitos de nós ainda optaremos por esperar informações mais precisas, com riqueza e detalhe de dados. Nesse caso específico do Shopping Pátio Limeira, diria que não foi um furo de reportagem, apenas uma mera informação distribuída por meio das redes sociais. Para mim, trouxe mais perguntas do que respostas naquele momento. Será que jornalismo é realmente isso? Acredito que não. Cada vez mais os usuários estão sendo usados como os filtros, avaliando a veracidade da informação distribuída na Rede. Portanto, o jornalismo on-line não pode (e nem deve) seguir essa tendência, pois o trabalho de apurar a veracidade dos fatos ainda pertence aos jornalistas.
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