segunda-feira, 15 de junho de 2009 | |

O confronto saudável (de ideias)

Se tem algo com o que os jornais impressos ainda contribuem é o debate de ideias e visões dos fatos. Sábado (13/6) e hoje (15/6), a "Folha de S. Paulo" trouxe duas análises distintas de seus articulistas sobre o confronto ocorrido semana passada na Universidade de São Paulo (USP) entre manifestantes grevistas e policiais.

"Quando a polícia é compreendida - O que mais me impressiona nos episódios da USP não é tanto a ação policial, embora condenável. Não me impressiona pela quantidade de vezes que vi episódios semelhantes -e sofri na pele a violência, embora nada tivesse a ver com o peixe. Estava apenas cobrindo manifestações públicas, no Brasil, na Argentina, no Chile, em Seatle (EUA), na América Central etc.

O que me impressiona é o fato de que pessoas da melhor qualidade, como o professor Dalmo Dallari, aceitem o recurso à polícia para resolver uma pendência interna da universidade. Não estou nem discutindo os argumentos que Dallari apresentou em sua entrevista de ontem à Folha. O fato é que sou de um tempo em que, em qualquer confronto polícia x estudantes, os Dallaris do mundo estariam do lado dos estudantes.

Impressiona também o fato de alunos condenarem seus colegas e aceitarem a ação policial, como ficou claro em duas cartas publicadas, em dias sucessivos, no 'Painel do Leitor'. Sou do tempo em que estudantes eram rebeldes, com ou sem causa, e portanto mereciam o apoio integral de seus colegas - ainda que cego, às vezes.

Até entendo que a rebeldia de hoje se dê em torno de questões mais pobres (ou estou sendo apenas saudosista? O que a idade permite, mas o bom senso desaconselha).O fato é que sempre me encantou um dos slogans-símbolo de 1968, aquele que dizia 'seja razoável, peça o impossível'. Hoje, o impossível nem passa perto da pauta.

O empobrecimento da agenda talvez explique a desunião no meio estudantil. Até acredito que 'entre os 2.000 estudantes que se manifestaram nesta semana estão alguns de nossos melhores alunos', como escreveu ontem Vladimir Safatle, professor da filosofia.

São poucos, não? E ainda resta saber onde estavam os outros melhores alunos." (Clóvis Rossi, p. A2, 13/6/2009)

"USP, polícia e demagogia - 'Não se deve caluniar abstratamente a polícia'. É conhecida a resposta do filósofo Theodor Adorno à reprovação que lhe fazia, dos EUA, Herbert Marcuse pelo fato de ter recorrido à força policial para barrar estudantes que tinham invadido o Instituto de Pesquisa Social, em Frankfurt, no início de 1969. A polícia, escreve Adorno numa das célebres cartas ao amigo, 'tratou os estudantes de maneira incomparavelmente mais tolerante do que estes a mim'.

A USP não é a Escola de Frankfurt, 2009 não é 1969 e Suely Vilela não é... bem, a reitora já disse ser adepta dos livros de autoajuda. Alguém dirá, além disso, que há razões nada abstratas para criticar a ação da polícia no campus, o despreparo para lidar com situações deste tipo entre elas.

Sim, ninguém pode de boa-fé desejar a universidade ocupada. Sim, a reitora é uma figura lamentável, e sua gestão, ruinosa. Mas quando os 'progressistas' da USP vão ter coragem intelectual para criticar também o comportamento autoritário de uma minoria de funcionários grevistas que intimidam colegas e querem impor ao conjunto da universidade o que há de pior e mais privado no espírito corporativo?

Quando dirão que luta social e vandalização de patrimônio público não são nem devem ser sinônimos? Quando chamarão pelo nome o 'fascismo de esquerda' de grupelhos pautados por estupidez teórica e desprezo sistemático pelos direitos dos outros?

Coube ao professor Dalmo Dallari, um veterano das causas democráticas, a intervenção mais lúcida, honesta e destemida a respeito do imbróglio uspiano. Em entrevista à Folha, na sexta, ele diz coisas como: a polícia que cumpre uma ordem judicial para proteger o bem público não é a polícia da ditadura; a pauta dos grevistas é desconexa e seus métodos são intoleráveis; a reitora é fraca, mas sua destituição agora desmoralizaria a instituição.

Eis, para os que não querem ficar presos a clichês mal digeridos da cultura meia-oito, um bom ponto de partida para o debate." (Fernando de Barros e Silva, p. A2, 15/6/2009)

0 comentários: