"Toda a gente fala de Susan Boyle. Quem? Bom, talvez você, leitor, tenha vivido em Marte nos últimos dias. Mas Susan Boyle está nas bocas do mundo precisamente desde o momento em que abriu a boca.
Susan é escocesa. Tem 47 anos.
Desempregada. Solteira. Nunca foi beijada. Cuidou de mãe moribunda até 2007. Vive com um gato. Frequenta a igreja. E o coro da igreja. O aspecto não é promissor. Simplória. Aldeã.
E com demasiados sonhos na cabeça: quando entrou no palco do programa ´Britain's Got Talent´, mais um desses shows de TV para revelar talentos musicais anônimos, a audiência riu com seus modos um pouco grosseiros.
Um dos membros do júri, em pose condescendente, começou as hostilidades com um ´What's your name, darling?´, e ´darling´, no presente contexto, é de um paternalismo arrepiante. Susan Boyle respondeu: o nome e, depois, o nome que ela gostaria de ser na música. Elaine Paige. Nem mais. A diva dos musicais londrinos que já trabalhou com toda a gente que é gente. Risos mil.
Então soltaram a música. A audiência e o júri prepararam-se para o pior. E o pior veio, mas não exatamente como eles esperavam.
Susan Boyle cantava. Bem. Demais. A música, ´I Dreamed a Dream´, tema do musical ´Les Misérables´, era agora servida por capacidade vocal impressionante. Mas não apenas por capacidade vocal impressionante. A interpretação de Susan Boyle conferia à canção uma intensidade que fez desabar o teatro em choros e aplausos. De Londres a Nova York, passando pelos milhões de internautas no YouTube, Susan Boyle é apresentada como a nova Elaine Paige.
Opinião pessoal? Não, Susan Boyle não é Elaine Paige. Nem poderia. Acredito em talento natural. Não acredito apenas em talento natural.
Mesmo Mozart, um caso sem aparente explicação humana, não seria possível sem a família e o meio musical onde nasceu e cresceu, capaz de fazer florescer o que já era puro gênio no pequeno Wolfgang.
Não se iludam, preguiçosos e indolentes: o talento natural pode ser o primeiro passo. Mas ainda existem todos os outros para dar, em anos infindos de trabalho e solidão pessoal.
Susan Boyle é um caso de talento natural evidente. Mas o que verdadeiramente me impressionou em toda essa história não foram apenas os dotes naturais daquela voz. Também não foi o gritante abismo entre a forma e o conteúdo -ou, se preferirem, o clichê romântico do patinho feio que se revela um cisne. O que impressionou foi a escolha da canção e as palavras que a canção encerra, um pormenor que parece ter sido ignorado pela humanidade circundante.
´I Dreamed a Dream´, uma das raras canções audíveis de ´Les Misérables`, não é apenas um tema sobre sonhos desfeitos. É um tema sobre a ´sorte´, essa terrível palavra que os gregos conheciam bem mas que a nossa modernidade racionalista eliminou do léxico filosófico.
De acordo com a ideologia reinante, o que somos, o que temos e o que fazemos depende unicamente de nós. A felicidade humana é uma construção pessoal que exige método e esforço. O que implica, inversamente, que a infelicidade é o resultado da nossa incapacidade para sermos felizes. Haverá pensamento mais perverso?
Não creio. E, no entanto, ele é repetido, dia após dia, numa sociedade que se sente infeliz por não ser feliz, como se a felicidade não fosse também um produto de contingências várias, que escapam ao controle dos homens. O produto, no fundo, de oportunidades que vieram ou não vieram; da ação ou da inação de terceiros; e das mil vidas que poderíamos ter tido.
Como no tema musical que Susan Boyle canta com a intensidade própria de quem explica a sua biografia, os nossos sonhos não dependem só da nossa autonomia.
Dependem dos ´tigres da noite´ ou das ´tempestades imprevistas´ que tantas vezes os envergonham e despedaçam.
Quando a febre passar e Susan Boyle regressar à aldeia e ao anonimato, a memória que deve ficar não é a de um talento escondido que teve os seus 15 minutos, ou 15 horas, ou 15 dias de fama.
O que deve ficar é a lição grandiosa de uma mulher que, na sua tocante simplicidade, disse a cantar o que provavelmente aprendeu com a vida. Que o inferno ou o paraíso, longe de serem prêmios exclusivamente humanos, repousam também nas mãos do destino."
(João Pereira Coutinho, Folha de S. Paulo, Ilustrada, E-6, 21.4.09)
Infelizmente, o You Tube teve que desabilitar, a pedidos, o mecanismo de incorporação do vídeo. Segue, então, para quem ainda não viu, o link para a lição de vida dada por Susan Boyle: http://www.youtube.com/watch?v=j15caPf1FRk.
PS: dedicado a um amigo que sempre me lembra que tudo na vida é circunstancial (ou que "o inferno ou o paraíso (...) repousam também nas mãos do destino".
terça-feira, 21 de abril de 2009 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 09:29 | 0 comentários
Circunstâncias
segunda-feira, 20 de abril de 2009 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 20:05 | 1 comentários
Saturday night...
"Hey, man, I'm alive
I'm taking each day and night at a time
Yeah, I`m down but I know I`ll get by
Hey, hey, hey, hey man, I`ve got to live my life
Like I ain`t got nothing but this roll of the dice
I`m feeling like a monday
But someday I´ll be Saturday night
Now I can't say my name or tell you where I am
I wanna blow myself away, don't know if I can
I wish that I could be in some other time and place
With someone else`s soul and someone else`s face
Tuesday just might go my way
Can't get worse than yesterday
Thursdays, Fridays aint been kind
But somehow I'll survive"
("Someday I'll Be Saturday Night", de Bon Jovi)
segunda-feira, 13 de abril de 2009 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 14:45 | 1 comentários
Mais grafite, mais arte
domingo, 5 de abril de 2009 | Postado por Rodrigo Piscitelli às 09:46 | 0 comentários
Arte nas ruas
Nunca tive nenhuma aptidão para a arte. O máximo que consegui chegar na prática foi a algumas aulas de teclado. Parei quando me dei conta de que aquelas aulas estavam se transformando mais em dever do que em prazer e ao perceber que meu irmão, que nunca havia feito uma aula de teclado, tocava melhor do que eu.
Em que pese essa falta de aptidão, admiro várias formas de manifestações artísticas. Uma delas, de uns tempos para cá, tem atraído minha atenção – talvez por unir algumas questões interessantes, como um forte lado social, uma certa marginalidade e rebeldia (pacíficas) e por estar cada vez mais intrínseca à vida das grandes cidades. Estou falando dos grafites.
Andando por algumas das grandes capitais do mundo, é fácil se deparar com estas obras. Elas geralmente (en)cobrem lugares degradados, muitos deles esquecidos pelo Poder Público. É aí que entra o lado social: o grafite é a marca da comunidade nos muros, é a arte livre, acessível a todos, indistintamente. Não é à toa que nas grandes capitais do mundo os grafites são respeitados – eles chegaram até as galerias de arte e foram alvos de uma grande exposição no ano passado na Tate Modern, em Londres (a mostra contou, inclusive, com representantes brasileiros).
Lá, o grafite é “street art”.
No Brasil, em razão do alto nível de vandalismo nas ruas, o grafite ainda é muito confundido com a pichação (esta em alguns momentos da história até já exerceu um papel importante como manifestação social; hoje, porém, prevalece o caráter meramente “vandalista”). A confusão entre grafite e pichação é injusta, sem dúvida, embora não se negue que muitos dos atuais grafiteiros sejam antigos pichadores.
Esta situação, porém, vem mudando aos poucos. Ainda são comuns nas cidades brasileiras episódios em que o Poder Público apaga grafites (o que muitas vezes não faz com as pichações), mas também é verdade que a grafitagem vem sendo cada vez mais valorizada como arte. E isso se deve à informação, ela e seu poder de transformar mentes.
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