segunda-feira, 9 de junho de 2014 | |

“Feitiços do Tempo”

(...) A novidade é um valor crucial para a modernidade. E, como qualquer valor, ela se torna um imperativo: renove-se, invente-se a cada dia. Desconfiamos do conformismo e prezamos o gesto de mudança e de ruptura - "revolucionário" se torna uma qualidade, mesmo sem saber de qual revolução se trate.

Claro, se a novidade e a mudança são valores, a repetição só pode ser aflitiva - a continuidade é uma chatice: o que importa nela é a procura de um ato que empurre o tempo e nossa vida para frente.

(...) Em suma, há culturas (como a nossa) em que o valor supremo é fazer uma diferença, e outras (como a nossa, antes da modernidade), em que cumprir o destino é o valor supremo e reviver sempre o mesmo dia poderia ser um ideal.

O engraçado é que receamos desperdiçar a vida na repetição, mas também temos nostalgia de um mundo dominado pela repetição, sem a obrigação angustiante de encontrar um ato transformador - são nossos sonhos de saída do mundo, de descanso e aposentadorias campestres e praianos, por exemplo. (...)

Fonte: Contardo Calligaris, “Folha de S. Paulo”, Ilustrada, 5/6/14 (íntegra aqui).

0 comentários: