quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014 | |

Sobre os "rolezinhos" e os "black blocs"

Folha - Qual sua opinião sobre os "rolezinhos"? Em sua opinião, há uma relação direta entre eles e os protestos de junho do ano passado?
Caetano Veloso –
(...) Claro que rolezinhos são a sociedade brasileira se mexendo. Tudo de que ela mais precisa. Essa é a característica que esse fenômeno comparte com as manifestações de junho. Mas acho que a imprensa deixou que se pensasse tratar-se de exibição ostensiva de garotada da periferia em shoppings de alta classe média, dando uma impressão de invasão, quando na verdade são encontros que se dão em shoppings da periferia.

Como vê o movimento black bloc? Acha que o Rio será palco de nova onda de protestos?
Não gosto de violência nem desejo insuflar o entusiasmo de jovens narcisistas que adoram se sentir salvadores da humanidade. Mas, como disse, os nós de nossa estrutura social brutal não podem se desfazer sem dor. Black blocs têm a ingenuidade de rebeldes sessentistas (com os quais me identifiquei no ato na segunda metade dos anos 1960), por isso, tendo a simpatizar com eles, mesmo sendo capaz de criticá-los sem dó, como fiz no começo desta resposta. É provável que haja manifestações neste ano, com Copa e eleições e tudo o mais. Vejo que o todo da população está vacinado contra o que há de desestabilizador nessas movimentações e, portanto, irá neutralizar os protestos. O povo é conservador. Ao menos o brasileiro é. Mas, do jeito que anda o mundo, é sempre possível que um fato pequeno, corriqueiro, desencadeie uma nova onda, talvez muito mais forte e incontrolável.
Não digo isso porque o deseje: sou classe-média e gosto de paz e sossego. Além disso não creio muito nas belezas que se atribuem às revoluções. Jamais utilizaria a palavra "terror" como algo desejável, como (o filósofo esloveno Slavoj) Zizek faz. Mas percebo a possibilidade de algo assim acontecer. E não sou contra, já que a injustiça, a brutalidade e a crueldade merecem reação enérgica.

Fonte: Sylvia Colombo, “’Rolezinho’, palavra que é uma beleza, é a sociedade se mexendo”, Folha de S. Paulo, Ilustrada, 29/1/14 (íntegra aqui).

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