sexta-feira, 29 de março de 2013 | |

Olhar estrangeiro - uma livraria em Toronto

A cena se passou em abril de 2012 numa livraria no Eaton Centre, em Toronto, no Canadá. Fui até lá com um ex-colega de trabalho. Estávamos longe um do outro, cada um olhando livros e outros itens de seu interesse. Dispersamo-nos tão longo entramos no local. Passado algum tempo, uma mulher de meia-idade, talvez uns 45 anos, aproximou-se de mim e perguntou:

- Você conhece aquele rapaz? 

Ao olhar para ela, vi que se tratava de uma funcionária da livraria. Ao olhar para onde a mão dela apontava, vi que se tratava do meu colega. Imediatamente pensei: "Será que ele fez algo errado?".

Respondi que sim, conhecia o jovem. Em seguida, perguntei a razão do questionamento (por cautela, preferi não expressar ou indicar meu pensamento). A resposta me surpreendeu:

- Vi pelos olhos que vocês eram amigos.

Confesso que num primeiro momento não entendi. Tentei processar o que ela havia dito, mas não encontrei nada que pudesse justificar tal comentário. Pensei, então, se não tinha traduzido errado a frase. Quis tirar a dúvida:

- Você está me dizendo que percebeu pelos nossos olhos que éramos amigos?

Após responder positivamente, a atendente quis saber se éramos brasileiros. Após ouvir um "sim", ela passou a filosofar de um modo um tanto intrigante:

- Eu sabia. Vocês brasileiros têm um olhar diferente, único. Percebo que são brasileiros pelo olhar. E vi pelo olhar que vocês eram amigos.

A explicação não me fazia sentido - ou me fazia pensar que ela talvez tivesse um sexto sentido muito aguçado. O fato é que a atendente revelou-se apaixonada pelo Brasil, a ponto de ter "aprendido" a identificar os brasileiros pelo olhar. 

Como no exterior são comuns abordagens simpáticas aos brasileiros, identificados que somos pela alegria habitual, duvidei do grau de "paixão" da mulher. Quando ela contou que guardava dinheiro para passar férias no Brasil (talvez na Copa, Olimpíada ou num próximo carnaval, não me recordo bem quais os planos), comecei a testar o conhecimento dela sobre o país. Disse que muitos ligam o Brasil unicamente a mulheres sensuais, carnaval, futebol, Ronaldo, etc... E, mais uma vez, a atendente me surpreendeu. Ela citou livros de autores brasileiros desconhecidos por muitos de nós - poetas com Gonçalves Dias (ou alguém assim). Também fez menção a filmes (neste caso produções mais conhecidas, como "Cidade de Deus" - que reforça nosso estereótipo lá fora). Lia e via para aprender mais sobre nossa cultura e a língua portuguesa.

A conversa seguiu por mais alguns instantes. Àquela altura, o encantamento da mulher pela cultura e as coisas do Brasil já tinha me convencido. E me encantado! A simpatia dela, tão estranha a estrangeiros do Norte, contagiou-me.

Nunca mais a verei provavelmente. Aqueles poucos minutos, porém, foram suficientes para me abastecer com a energia capaz de entender que o mundo, no fundo, é um só. Ao mesmo tempo, reforcei a crença de que somos únicos no mundo. E que a magia da vida consiste em proporcionar tantos encontros (embora haja tantos desencontros, como cantou o poeta...).

PS: após esta cena, segui minha visita à livraria e fotografei um livro na intenção de comprá-lo posteriormente. Ainda não o comprei...


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