domingo, 3 de junho de 2012 | |

Sistema prisional: uma bomba-relógio

PRÓLOGO

Na iminência da fome, alguns outros problemas de primeira grandeza do Brasil foram historicamente relegados a segundo plano – não só por governantes, mas também por nós, o povo. Um exemplo? A educação.

Com a expansão da renda verificada no país nos últimos 15 anos, estes outros problemas começaram a ganhar maior relevância na agenda de debate dos brasileiros. Ainda há, porém, muito o que caminhar.

O FATO

Uma decisão da Justiça de Piracicaba, assinada pela juíza Gisela Ruffo na última terça-feira, acendeu a luz vermelha (era preciso acender?) no sistema prisional paulista – o maior do Brasil, com 40% da população carcerária nacional. A juíza determinou, por meio de liminar (uma decisão provisória), que o Estado suspenda o envio de presos para o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Piracicaba até que sejam retirados do local os detentos já condenados.

Ela deu ainda um prazo de 30 dias para que o Estado retire os presos condenados irregularmente instalados no CDP (unidade para aqueles que ainda aguardam julgamento).

A decisão foi tomada com base em ação civil pública movida pelos promotores Enzo Boncompagni, da 2ª Promotoria, e Maria Cristina Freitas, da Promotoria dos Direitos Humanos. Na ação, segundo a juíza, eles apontaram superlotação do CDP e citam riscos à integridade dos presos, dos familiares que os visitam e dos funcionários do local, em número aquém do necessário para a unidade.

Inaugurado em 21 de outubro de 2001, o CDP de Piracicaba tem capacidade para 512 presos. No último dia 25 de maio, abrigava 1.695, conforme dados da
Secretaria Estadual de AdministraçãoPenitenciária (SAP). Ou seja: 232% além da sua capacidade (os promotores consideram plausível uma ocupação até 30% maior que o total de vagas, o que daria 665 pessoas).

Importante ressaltar que cerca de 40% dos presos do CDP são oriundos da Delegacia Seccional de Limeira, que não possui unidade do gênero nas oito cidades de sua circunscrição.

O outro CDP da região, em Americana, também está superlotado. Com capacidade para 576 presos, abrigava naquela mesma data 1.282, também conforme a SAP.

Na última quinta-feira, pelo menos sete presos enviados de Limeira para o CDP de Piracicaba foram recusados. Foram abrigados provisoriamente na carceragem junto à Delegacia Seccional, na Vila Cristóvam. Detalhe: a carceragem possui três celas, sendo que uma é destinada a prisões administrativas (falta de pagamento de pensão alimentícia, por exemplo). As outras duas têm capacidade para 12 pessoas. Na sexta-feira à noite, já estavam lotadas.

A Seccional aguarda para esta segunda-feira uma posição da SAP a fim de saber para onde enviará os presos enquanto o Estado tenta reverter a decisão da Justiça.

O problema, porém, não é restrito à região. Dados da própria SAP indicam que a situação prisional no Estado é mais do que crítica. Em dezembro de
2001, a população carcerária paulista somava 67.624 pessoas. Em dezembro de 2011, eram 180.333 – ou 166% a mais.

Não bastasse isso, o que se verificou nos últimos meses é estarrecedor: em
2011, a população prisional do Estado aumentou em 9.504 pessoas. Isto representou um ingresso de 26 presos por dia no sistema, em média. Este ano, até 9 de abril, já eram 8.185 detentos a mais (ou seja, quase o mesmo que em todo o ano passado). A média de ingresso diária saltou para 81,85 pessoas. Neste ritmo, serão quase 30 mil a mais no fim de dezembro.

Pelo que se vê, os números são insustentáveis. Desde 2010, o Estado tem um plano para construir 49 presídios, mas o ritmo das obras é lento. Até o momento, foram inauguradas sete unidades, sendo quatro CDPs (em Franca, Jundiaí, Taiúva e Pontal), duas penitenciárias femininas (em Tremembé e Tupi Paulista) e um Centro de Progressão Penitenciária (CPP, em São José do Rio Preto).

De acordo com a SAP, 16 unidades estão em construção, sendo três CDPs (em Cerqueira César, Riolândia e Icém). Uma está em licitação e oito em trâmites para iniciar este processo. Cinco unidades aguardam a decretação de utilidade pública da área e outras 12 seguem em estudo.

Atualmente, o Estado conta com 151 unidades prisionais, sendo 38 CDPs, 13 CPPs e 74 penitenciárias.


EPÍLOGO

Os números não mentem: há uma bomba-relógio instalada no sistema prisional paulista. A situação não é diferente no restante do país. Daí que têm pipocado no Congresso – mediante o discurso da garantia constitucional da presunção da inocência - projetos que “relaxam” as prisões.

O fato é que a seguir o ritmo atual, São Paulo não vencerá a disputa com a demanda por vagas. Só na região de Limeira, se fosse possível erguer quatro CDPs em um dia, todos nasceriam lotados.

Daí que se faz necessária uma pergunta: até quando o Estado brasileiro vai optar por prender ao invés de educar?

Naturalmente, ninguém é inocente a ponto de imaginar que a educação evitará o aparecimento de criminosos. Não resta dúvida, porém, que há uma relação direta entre a baixa qualidade da educação e o número de criminosos numa sociedade (ainda que se diga que nos Estados Unidos a população carcerária seja a maior do mundo – e de fato é; são 2,3 milhões de presos. O Brasil ocupa o quarto lugar, com meio milhão de detentos, atrás da China e Rússia, segundo o
Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes).

Em tempo: o problema se agrava pela morosidade da Justiça e dos governos em tirar das prisões quem já cumpriu pena ou, no caso do CDP de Piracicaba, os condenados (que devem ir para unidades próprias).

* A imagem foi retirada do site da SAP, já "linkado" nesta postagem

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