terça-feira, 8 de maio de 2012 | |

Nos EUA, questão racial é coisa séria

Interessante a questão racial ser tão polêmica e determinante ainda hoje nos Estados Unidos, um país com grande influência negra em suas raízes e em sua população. O fato é que os EUA são uma nação dividida politicamente (entre democratas e republicanos), geograficamente (será que a guerra de Secessão realmente acabou?), religiosamente (católicos, protestantes, mórmons, etc) e racialmente (brancos e negros).

O mais incrível é tudo isto ser realidade num país que louva sua democracia e as liberdades individuais. Ou talvez as louve justamente em função dessa diversidade.

Até os anos 50, a segregação racial nos EUA era algo sério. Brancos e negros não dividiam o mesmo espaço em muitos lugares, como bares. Era uma espécie de apartheid. Não é preciso relembrar aqui a histórica luta liderada por Martin Luther King em favor dos direitos civis, particularmente dos negros.

Seis décadas depois, a questão ainda é predominante nos debates. Naturalmente, brancos e negros hoje dividem sem questionamento os mesmos espaços, mas nem sempre as mesmas ideias.

Em Chicago, tão logo entrei numa estação de metrô, vi um cartaz bem grande que dizia algo mais ou menos assim: “Nenhum ser humano deve ser considerado pela sua crença ou sua cor e sim pelo seu caráter”. Naturalmente, a mensagem é correta – o que me espantou é este tipo de manifestação ainda ser presente (ou necessária) justamente numa cidade com população marcadamente negra – de onde saiu o primeiro presidente negro do país.

Atrás deste cartaz, um outro desenho enaltecia o ex-jogador de basquete Michael Jordan, ídolo do Chicago Bulls nos anos 1990. Um texto que parecia ser de um estudante dizia algo como “Admiro Jordan por ele ser alto e rico”. No fundo mesmo estava a questão racial – Jordan é negro.

O assassinato de
Trayvon Martin, de 17 anos, por um vigilante na Flórida colocou lenha nessa fogueira. Martin, que era negro, caminhava pelas ruas sozinho quando teria sido abordado por uma força voluntária de segurança. Sem um motivo aparente, o jovem virou suspeito. Não se sabe exatamente o que aconteceu na abordagem, mas o fato é que Martin foi baleado e morreu.

Foi o estopim para uma série de protestos pelo país. Em Nova York, bem longe do epicentro do caso, dezenas de pessoas foram às ruas pedir Justiça. Elas exibiam cartazes com dizeres como “Pare a guerra contra a juventude negra e mulata – Empregos, não cadeias”, “Justiça para Trayvon Martin”, “Fim da opressão racista”, “Trayvon Martin é meu filho”, entre outros.






O chamado caso Trayvon Martin teve efeitos colaterais. Sobrou para muitos, como se diz na gíria. Três funcionários da rede de televisão NBC, uma das mais poderosas dos EUA, perderam seus empregos por causa da cobertura considerada inadequada do caso. Teriam editado de modo tido como preconceituoso uma matéria, emendando falas do vigilante dando a entender que a morte se deu em razão da cor do jovem (leia mais aqui e aqui).

A intenção de estabelecer culpa ou inocência de um lado e outro ultrapassou os limites da ética. Um jornalista da CNN comentou que considerava errado, em reportagens da TV, o uso de fotos de infância do jovem para ilustrar o caso numa aparente tentativa de criar um sentimento de piedade entre o público. Concordo com ele.

Nos EUA, polêmicas envolvendo a cor da pele e a religião parecem ser mais fortes do que as que envolvem a sexualidade, por exemplo. Muitas vezes essas questões ficam escondidas, escamoteadas, até voltarem à superfície sempre que um episódio (como a chance de um negro presidir o país ou o assassinato de um jovem negro) aparece no noticiário.

Natural: é quando se cutuca o vespeiro que as abelhas se manifestam. E, nos EUA, a questão racial ainda é um grande vespeiro.

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