quarta-feira, 28 de setembro de 2011 | |

A Justiça em questão

"Sabe que dia eu vou inspecionar São Paulo? No dia em que o sargento Garcia prender o Zorro. É um Tribunal de Justiça fechado, refratário a qualquer ação do CNJ, e o presidente do Supremo Tribunal Federal é paulista."

A corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, pôs os cinco dedos na ferida na entrevista que concedeu à APJ (Associação Paulista de Jornais). Sem a fala empolada característica do Judiciário, disse que a marcha em curso para reduzir as competências do CNJ, proibindo-o de investigar e punir magistrados antes que os próprios tribunais estaduais o façam, é "o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos escondidos atrás da toga".

Alguém dúvida que seja verdade?

O CNJ, no entanto, capitaneado pelo ministro Cezar Peluso, tomou a dianteira da reação corporativa à corregedora. Em nota oficial, disse que suas declarações "de forma generalizada ofendem a idoneidade e a dignidade de todos os magistrados e de todo o Poder Judiciário".

Onde estaria a "ofensa generalizada" ao Judiciário? Se digo que o jornalismo está "infiltrado de bandidos escondidos atrás da pena" não quero dizer com isso que todos os jornalistas - nem a maioria deles - sejam venais. Em vez de enfrentar um problema real, o CNJ endossa o teatro da dignidade abalada do Judiciário e faz o jogo do obscurantismo.

Além da corrupção, a Corregedoria do CNJ já identificou pelos Estados diversos problemas disciplinares e de gestão, casos de processos que mofam nas prateleiras, muitas vezes por inação deliberada do juiz.

O TJ-SP, de onde vem Peluso, é um conhecido templo do espírito corporativo mais arcaico e arraigado.

A decisão que o STF tomará a respeito das atribuições do CNJ pode representar um grande retrocesso institucional. Apostar na ação das Corregedorias locais é como acreditar na eficiência do sargento Garcia.

Fonte: Fernando de Barros e Silva, “A Justiça e o sargento Garcia", Folha de S. Paulo, Opinião, 28/9/11, p. 2.

PS: raras classes profissionais são mais corporativistas do que a dos juízes. É preciso que eles admitam que há “maçãs podres” na magistratura como em qualquer profissão. Para combatê-las, é preciso ação efetiva e transparência – ou o Judiciário está livre da obrigação dos entes públicos de ser transparente?

Pode-se questionar a generalização feita pela corregedora, mas aí é questão de “vestir a carapuça”, ainda que pela corporação (ou classe). Se alguém acusasse, por exemplo, a existência de “bandidos” entre os jornalistas, eu não hesitaria em apoiar a manifestação. Porque existem mesmo.

Esperar que as corregedorias dos tribunais investiguem as denúncias é ignorar o fato de que até hoje isso raramente aconteceu. È apoiar o status quo que reza pela impunidade. E impunidade não combina com quem tem por dever de ofício fazer a justiça.

O ataque veemente do alto comando da magistratura brasileira contra a fala da corregedora talvez ajude a explicar a razão de tantas decisões favoráveis da Justiça a corruptos e corruptores nos últimos tempos...

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