quarta-feira, 18 de maio de 2011 | |

Uma ode aos anos 80

Para os economistas, os anos 1980 foram a década perdida. Para mim, foram pulsantes. Obviamente, esta conclusão carrega muito saudosismo. Nascido em meados dos anos 70, vivi intensamente a década seguinte. Eram tempos muito, muito diferentes.

Na política, o Brasil ainda vivia sob o estigma de uma ditadura – que estava prestes a ruir. Na economia, existia um dragão, o da inflação, assombrando os brasileiros. No esporte, vivia-se a entressafra das conquistas da seleção canarinho. Na tecnologia, ... que tecnologia? Na música, o rock nacional explodia no Planalto Central e se espalhava pelas rádios de todo o país.

Que país era aquele?

Um Brasil, sem dúvida, mais lutador, mais unido, mais sonhador. Ainda havia objetivos e sonhos para a juventude. Abaixo a ditadura! Diretas já! Lembro-me de ler estas frases, principalmente a última, em cartazes colados no muro do Grupo Brasil – ou E.E.P.S.G. “Brasil”, como a escola se chamava oficialmente na época. Recém-ingresso na primeira série, não entendia bem o que aquilo significava.

Hoje, sei que era a pulsação da democracia se manifestando em nosso cotidiano. A juventude de hoje, nascida num país já democrático, parece dar pouco ou nenhum valor a valores como este. Muitos jovens simplesmente ignoram essa luta vital das gerações passadas. Alguns são incapazes de explicar o que foi o movimento das Diretas!

E a ditadura se foi, ainda com um governo civil eleito indiretamente, Tancredo Neves presidente, José Sarney vice. O vice que virou presidente. O presidente que morreu antes de posse. Morte que comoveu a nação, ainda inebriada com a volta da democracia. Eu chorei ao ver toda aquela gente chorando, ao som de “Coração de Estudante”, embora mal soubesse o que se passava.

A inflação produzia cenas que faziam parte de nossas vidas, a geração dos anos 80, sem que entendêssemos o que se passava. Aquilo era rotina, o cotidiano, o único modo de viver, pensávamos. Ir ao supermercado uma vez por mês, tão logo os pais recebessem o salário, e fazer megacompras, encher dois, três, quatro carrinhos com todos os produtos necessários para a manutenção da casa e as refeições. Tudo para fugir dele, do dragão da inflação, que elevava os preços diariamente. Comprava-se tudo em dezenas: bolacha, leite condensado, macarrão. Tudo para o mês.

Assim, fazer compra se constituía num verdadeiro programa de família. Íamos todos para o supermercado, antes mesmo dele abrir. Sempre que possível, em Campinas, onde havia o Carrefour e os preços eram muito mais vantajosos. As compras duravam quase todo o dia. Almoçávamos lá. Para nós, crianças, era uma diversão. Comprar dez chocolates de uma vez, dez pacotes de bolacha recheada... Uhm!!! Mal sabíamos o quanto a inflação deixava as famílias mais pobres.

Com o dragão cada vez mais assustador, vieram os planos econômicos. E nós, da geração anos 80, fomos nos acostumando às frequentes mudanças de nome da moeda: cruzeiro, cruzado, cruzado novo... E dá-lhe corte de zeros! De repente, assim, da noite para o dia, 1.000 cruzeiros viravam 1 cruzado. “O governo decidiu cortar três zeros”, anunciava a TV. Houve um momento em que não dava mais tempo para fabricar as cédulas e elas vinham simplesmente com carimbos informando o novo valor.

Era a luta incessante – e até então infrutífera – contra a inflação. Luta que incluía o tabelamento de preços. E lá íamos nós, a família reunida, ao supermercado com o recorte do jornal mostrando os preços congelados pelo governo. Era a tabela da Sunab – a Superintendência Nacional de Abastecimento. E ai de quem vendesse acima daqueles valores. Viramos os “fiscais do Sarney”. Assim o então presidente convocou as “brasileiras e brasileiros” para a luta contra o aumento de preços.

Luta inútil. Houve um momento em que os produtos subiam da manhã para a tarde...

Uma cena frequente, impensável pelas novas gerações, eram as filas para abastecer o carro. A coisa acontecia assim: 10 horas da noite, estávamos assistindo a um filme na TV (sim, não existia videocassete ainda; na minha vida, ele só surgiu em 1986) quando entrava o “Plantão do Jornal Nacional” (sim, quase não se mudava de canal porque as TVs não tinham controle remoto; era preciso levantar do sofá e mudar o conversor, uma geringonça semelhante a um rádio, cujos canais tínhamos que captar pelas ondas, indo um pouco para direita, um pouco para a esquerda, até achar a sintonia).

E o plantão informava, na voz grave de Cid Moreira: “O governo acaba de autorizar o reajuste dos combustíveis a partir da meia-noite de hoje”. E dá-lhe correria para abastecer antes do aumento. Filas e filas nos postos de todo o país.

Já que falei dele, o videocassete revolucionou a nossa diversão. Virou moda gravar os filmes da “Tela Quente”, a tradicional sessão de cinema das segundas-feiras na Globo, e emprestá-los aos amigos. E entrevistas, reportagens, tudo o mais que pudesse servir para mostrar para a turma.

Com o videocassete nasceram as videolocadoras – ou simplesmente locadoras. Uma verdadeira “febre”. Lembro-me bem dos dois primeiros filmes locados – que estrearam o nosso primeiro videocassete: “Mad Max” e “Indiana Jones e o Templo da Perdição”. Foi um acontecimento na rua, uma reunião de amigos com pipoca e guaraná. Ah, e não podia esquecer de rebobinar a fita antes de devolvê-la à locadora, pois poderíamos levar uma multa. Sem contar as vezes em que a fita mascava no meio do filme...

A TV em cores era artigo raro em muitas casas. Lembro-me que na casa dos meus primos, à frente da tela da televisão havia uma placa azul de acrílico. Assim se dava a sensação de cor às imagens em preto e branco.

Criado naquela década, o controle remoto era artigo de luxo. Bem como o telefone sem fio (não, os celulares não existiam, eram coisa de ficção científica até então), modelos que se popularizaram com os “foguetões” para o Paraguai, viagens de um dia só para comprar “muambas”. Tempos em que os números dos telefones se resumiam a seis dígitos: 41-9900. Tempos em que não se localizava as pessoas facilmente quando elas estavam fora de casa. Tempos em que se colocava o telefone na declaração de imposto de renda porque as linhas custavam muito, muito mesmo.

E no final dos anos 80, surgiu um aparelho de fazer inveja. Seu nome? Atari. Era a fonte de desejo de dez em cada dez crianças e jovens. O primórdio dos videogames populares marcou a geração com jogos como “Pitfall”, “River Raid”, “Pacman” e “Enduro”. A diversão era trocar as fitas com os colegas (sim, os jogos eram em fitas). Se houvesse essa linguagem na época, diria que a resolução dos jogos era de dois pixels, um quadradinho na esquerda e outro na direita. Era, porém, uma grande diversão (jogar “X-Man” escondido na casa dos amigos - porque no final, após uma maratona, um “pauzinho” com cabeça quadrada simulava uma transa com uma “pauzinha” também de cabeça quadrada - era o máximo da subversão!).

Olhando assim para o passado, tudo agora soa retrógrado. Saudosista, admito. Confesso que estranho quando crianças e jovens imaginam que celulares, computadores, e-mails e redes sociais sempre tenham existido. Não, a vida era muito diferente! A gente usava telefones de discos – as teclas surgiram depois. Fazia cursos de datilografia para escrever à máquina. Mandava cartas para as pessoas.

Comprávamos LPs e fitas cassete esperando para ver qual artista ia estampar a capa. Os discos riscavam, a agulha quebrava, o som chiava, mas a gente gostava. E passava tardes de domingo com os colegas gravando as músicas da rádio. E avisava o locutor: “é para gravar!”, o que significava que ele não devia falar durante a execução e a música devia tocar até o fim, sem ser interrompida pela vinheta da rádio. Gravávamos também conversas, piadas e tudo o mais que desse na telha. Um gravador na mão e uma ideia na cabeça.

Dávamos de presente fitas cassete virgem, uma monstruosidade nos dias atuais.

Íamos ao cinema (o Cine Vitória) nas férias assistir à estreia do novo filme dos “Trapalhões” – e todo ano tinha uma nova aventura do quarteto (sim, eles ainda eram um quarteto). Acordávamos cedo para ver o “Programa do Bozo”, com a vovó Mafalda e o garoto Juca. E depois veio o “Xou da Xuxa”, com o Dengue e o Praga. E tinha o Trem da Alegria e o Balão Mágico (e nós todos éramos apaixonados pela Simony).

Ah, os anos 80. Tempo das “Revoluções por Minuto”. Tempo em que se questionava “Que país é este?”. Tempos agitados, que mudaram o mundo. Tempos que, costumo dizer, só quem viveu pode contar. Contar feliz. Feliz de quem viveu os anos 80!

PS: para quem não é daquela época, a sigla E.E.P.S.G. significa “Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau”.

* Todas as imagens desta postagem foram retiradas da Internet, via Google

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