terça-feira, 19 de abril de 2011 | |

Comentários sobre uma tragédia – a imprensa

“Sensacionalista", no jornalismo, é sempre um xingamento. Uma cobertura que incomoda pelo exagero é logo rotulada assim, como se ela não estivesse à altura de quem lê, assiste ou navega na rede.

Levam a pecha de sensacionalistas os programas de TV policiais do tipo ""Brasil Urgente", o extinto jornal "Notícias Populares", os tabloides ingleses com seus inúmeros escândalos sexuais...

Um caso excepcional como o do massacre em Realengo confunde, porém, os parâmetros convencionais. Está certo mostrar foto do atirador morto? Faz sentido filmar o momento em que uma mulher avisa o marido que a filha deles foi morta? Uma revista pode titular na capa que ""o monstro mora ao lado"?

Não há resposta correta para essas perguntas, tiradas de exemplos da Folha, "Jornal Nacional" e ""Veja", e não de publicações consideradas populares. Em uma história tão trágica, é difícil distinguir a informação legítima da tentativa única de provocar comoção.

A imagem de Wellington Menezes de Oliveira caído na escada, ensanguentado, criticada por muitos internautas ("Exploração do sangue, coisa de tabloide"), é justificável quando se pensa que, naquele dia, era a única foto recente do atirador e que ela mostrava as circunstâncias da sua morte. Havia informação ali, não era gratuito.

Expor o sofrimento é outro problema sempre delicado. A Folha não foi tão longe quanto a televisão, mas mesmo assim criou desconforto. "Infeliz a foto de capa no dia 9, na qual uma mãe chora no túmulo da filha. A dor da mãe não é notícia, é exploração do sentimento alheio. Francamente, esta não é a Folha que eu conheço", revoltou-se o produtor José Américo Magnoli, 46.

De novo, é muito difícil determinar a linha que separa o que faz sentido do que é apelação. Um drama dessas proporções, ocorrido em uma escola, não é um assunto estritamente familiar. As vítimas choram em público e com o público - não parecia haver gente incomodada com a presença das câmeras.

Para não resvalar no sentimentalismo fácil, o segredo é não carregar nas tintas. O simples relato dos acontecimentos e as falas dos alunos já impressionam tanto que não é preciso ""forçar a barra".

A Folha cedeu a essa tentação na hora de relatar o enterro das crianças, quando publicou que "apenas o choro de uma mãe amparada por parentes, o ranger dos carrinhos carregando caixões e o murmúrio das lágrimas contidas quebravam o silêncio com que 11 das 12 crianças mortas no massacre na escola Tasso da Silveira foram enterradas no Rio".

Só que não foi um enterro único, foram pelo menos três. Todos tiveram o mesmo clima, o mesmo silêncio opressor? Pouco provável.

A descrição do atirador é outro ponto que continua gerando controvérsia. Mesmo as publicações que recusaram a saída fácil de xingar Wellington ("animal", "psicopata", "monstro") estão sendo censuradas por darem destaque demais a ele.

"Especialistas são unânimes em afirmar que quanto maior a divulgação do assassino, maiores as chances de haver novos casos, pois a sociedade está cheia de malucos como o de Realengo. A Folha, em nome do sensacionalismo e do número de acessos, coloca o vídeo do atirador em destaque, dando-lhe exatamente o que ele queria", criticou o engenheiro José Luiz Perez, 54.

Assim que novas fotos do atirador de Realengo fazendo pose com armas apareceram no site da Folha, na sexta-feira, uma nova onda de revolta surgiu. "É uma irresponsabilidade da imprensa, que, tirando o máximo proveito da tragédia, veicula informações que pouco acrescentam, mas que premiam o comportamento do louco", "Não aguento mais entrar na Net e olhar para a cara desse @#$%¨!", "Estão fazendo do atirador um mártir", criticaram vários internautas.

A carta-testamento, as fotos e os vídeos de Wellington não deixam muita dúvida de que ele esperava que o seu feito ganhasse repercussão, que a explosão de violência acabaria por dar algum sentido à vida que ele logo perderia. Mas não dá para privar os leitores dessas informações em nome de uma discutível consequência sobre outras mentes atordoadas.

Não há outro jeito de fazer uma boa cobertura de um caso como esse sem traçar um perfil alentado do responsável por tanta desgraça, mesmo que seja numa tentativa vã de encontrar lógica onde não há.

É necessário evitar a redundância, mas sem impor uma interdição em torno do que é mais intenso. São desagradáveis as fotos de Wellington colocando o leitor sob a mira do revólver. Mesmo assim, é melhor ter a chance de virar a página rapidamente do que nem ter essa opção.

Fonte: Suzana Singer, “Exagerado”, Folha de S. Paulo, Poder, 17/4/2011, p. 8.

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Há notícias que são de interesse público e há notícias que são de interesse do público. Se a celebridade "x" está saindo com o ator "y", isso não tem nenhum interesse público. Mas, dependendo de quem sejam "x" e "y", é de enorme interesse do público, ou de um certo público (numeroso), pelo menos.

As decisões do BC para conter a inflação têm óbvio interesse público. Mas quase não despertam interesse, a não ser dos entendidos.

O jornalismo transita entre essas duas exigências, desafiado a atender as demandas de uma sociedade ao mesmo tempo massificada e segmentada, de um leitor que gravita cada vez mais apenas em torno de seus interesses particulares.

Um caso como a tragédia de Realengo reúne interesse público e interesse do público em grau máximo. Como combater a circulação de armas no país? Como aumentar a segurança nas escolas? Como enfrentar o problema do bullying? São questões de interesse público e de interesse difuso do público.

Aquém delas, porém, há o fato trágico. Como fazer sua cobertura? Até onde saciar a curiosidade (mórbida) das pessoas? Até onde devassar o sofrimento das famílias? Deve-se expor sem limites os vídeos "preparatórios" do assassino? Deve-se preservar as crianças disso tudo? Até que ponto? E como?

Não há respostas conclusivas a essas perguntas. Mas não fazê-las, sob pretexto de que seriam ingênuas numa época de informação instantânea, equivaleria a deixar o jornalismo e suas opções fora do debate público. É preciso refletir melhor sobre os nossos critérios.

Sobretudo quando o jornalismo se converte em "infotainment" e parece inclinado a se guiar quase exclusivamente pelos interesses "do público". A superexposição midiática, apelativa e, afinal, monótona do assassino serve bem de exemplo. Nunca um vídeo foi tão visto e comentado. É contra esse espetáculo que deveríamos nos opor. Mesmo, ou principalmente, que isso nos pareça uma batalha perdida.

Fonte: Fernando de Barros e Silva, “O jornalista e o assassino”, Folha de S. Paulo, Opinião, 18/4/2011, p. 2.

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