terça-feira, 8 de fevereiro de 2011 | |

“A arte de fazer título”

Existe um trabalho invisível - mas muito importante- nas Redações. Pesquisas mostram que uma grande parte dos leitores apenas passa os olhos pelas páginas do jornal, zapeando os títulos principais.

Com a atenção cada vez mais disputada por outros meios de comunicação, o consumidor de informação só enfrenta -o melhor verbo é esse- um texto até o fim se julgá-lo realmente interessante.

Um bom título ajuda a convencê-lo de que vale a pena gastar alguns minutos naquela notícia. Não é fácil. Em um jornal mainstream como a Folha, não se permitem arroubos de criatividade típicos dos veículos populares. "Bom de bola, ruim de taco" foi manchete do "Notícias Populares" em 1990, diante de uma foto do jogador Maradona nu - doce vingança depois de o Brasil ter sido eliminado pela Argentina na Copa.

A Folha também não abre mão, pelo menos por enquanto, de informar seu leitor como se ele fosse "virgem" no assunto. No dia seguinte à última eleição, a manchete, em letras garrafais, anunciava "Dilma é a eleita", mesmo sendo difícil imaginar alguém que já não soubesse disso na manhã do dia 1º de novembro.

Ser atraente, sem apelar para o humor, e trazer informação nova já são desafios consideráveis. Além disso, os redatores, responsáveis pelos títulos, precisam atender regras básicas: fazer frases com verbo no presente (para dar ideia de ação recente), evitar o "pode" (afinal, tudo pode acontecer), esquecer negativas (notícia, em geral, é o que aconteceu e não o que deixou de ocorrer), abrir mão de pontuação (dois pontos, exclamação, interrogação), de adjetivos e, principalmente, não chegar a conclusões que não estão no texto. Tudo isso em frases com 40 toques em média, incluindo os espaços em branco entre as palavras.

Fica mais fácil entender os pecados mais frequentes dos títulos da Folha olhando alguns exemplos, pinçados nos últimos meses:

1. SER OFICIALISTA

"Copom tomará decisão técnica, diz Meirelles" (28/4): se o então presidente do Banco Central dissesse o contrário, que a alteração dos juros responderia a interesses políticos, aí sim haveria notícia.

"Cabral diz que abuso policial não será tolerado" (1º/12): o governador do Rio poderia afirmar algo diferente?

2. SER DIFÍCIL DE ENTENDER

"Fabu cadê o loso?" (10/6): parece dadaísmo, mas a reportagem, durante a Copa, dizia que o artilheiro Luis Fabiano, apelidado "Fabuloso", enfrentava um jejum de gols.

"Fuga de cérebros tem via na contramão" (18/7): a saída de pesquisadores brasileiros tem uma contrapartida, será isso?

"'Comédias' agora ganham afagos" (19/11): outro acesso de criatividade de Esporte. Desta vez "comédias" eram os jogadores do Corinthians execrados pela torcida.

3. NÃO SER COLOQUIAL

"Harry Potter é a próxima nova de Orlando" (29/4): a gramática até aceita, mas ninguém fala assim.

"Após conflitos, Bancoc vive tensa calma" (21/5): idem.

4. FAZER SOPA DE LETRINHAS

"Iraniano tenta convencer CS com jantar" (7/5): o que será CS? Era Conselho de Segurança da ONU. Siglas, só as mais conhecidas.

"AP vai criar "Ecad" de material jornalístico nos Estados Unidos" (26/10): para entender isso, a pessoa precisa saber o que é AP e Ecad.

5. SER ÓBVIO

"Perdas podem anular os lucros" (29/8): é verdade hoje e sempre.

"Você tem o poder de decidir o que fazer com o seu dinheiro" (17/1/ 2011): que bom que a Folha avisou.

"É preciso ter bom senso nas redes, dizem advogados" (30/1/ 2011): precisa ser formado em direito para dizer isso?

6. SER INCONCLUSIVO

"Safra de soja em 2011 repetirá a de 2010" (4/5): isso é bom ou ruim? Se você não sabe como foi a safra do ano passado, não terá ideia.

7. EXAGERAR EM REFERÊNCIAS

Nas capas de Esporte, Ilustrada e em algumas reportagens mais frias, o jornal admite títulos sem verbos, não informativos. O pecado, nesses casos, costuma ser o abuso no uso de nomes de filmes, livros e músicas. "Em nome do pai", por exemplo, foi usado quatro vezes só no ano passado. Recurso fácil, que demonstra imaginação curta.

Os títulos -e a manchete da Primeira Página é o principal deles- ajudam a moldar a identidade de um jornal e podem ser um instrumento para aprimorar a qualidade dos textos. Em geral, títulos ruins saem de reportagens mal apuradas, sem foco ou redundantes. Se o exército anônimo de redatores se recusar a "fechar" (colocar no tamanho, corrigir e titular) textos que matem de tédio o leitor no dia seguinte, o jornal melhorará muito. Ou sairá com grandes espaços em branco.

Fonte: Suzana Singer, “Ombudsman”, Folha de S. Paulo, 6/2/2011

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