sexta-feira, 24 de setembro de 2010 | |

Por que a Prefeitura de Limeira escondeu a verdade?

Ao se ver envolvida, ainda que indiretamente, no escândalo que resultou no mandado de prisão preventiva contra o vereador Antônio César Cortez (leia aqui ), do PV, acusado de corrupção passiva, a Prefeitura de Limeira pretendeu, não se sabe a razão, ludibriar a opinião pública.

Em nota à imprensa, a administração Silvio Félix (PDT) manifestou que “a concorrência pública realizada na contratação de empresa para o fornecimento de merenda escolar seguiu a Lei de Licitações. O Tribunal de Contas verificou o edital da concorrência várias vezes e o aprovou.
Agora continuamos seguindo a lei, sendo que o próprio Superior Tribunal de Justiça determinou que a Prefeitura seguisse com o fornecimento da merenda escolar dessa forma”.

Pelo menos em um aspecto, a prefeitura mentiu. O TCE julgou irregulares a licitação e o contrato firmado entre o município e a empresa SP Alimentação (cujo dono foi preso anteontem acusado de corrupção ativa – leia mais
aqui). O julgamento foi realizado em 30 de outubro de 2007 pela a 2ª Câmara do TCE, conforme consta a seguir:

“ACORDA A SEGUNDA CAMARA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO, EM SESSÃO DE 30 DE OUTUBRO DE 2007, PELO VOTO DOS CONSELHEIROS RENATO MARTINS COSTA, RELATOR, FULVIO JULIÃO BIAZZI, PRESIDENTE E ROBSON MARINHO, NA CONFORMIDADE DAS CORRESPONDENTES NOTAS TAQUIGRÁFICAS, JULGAR IRREGULARES A LICITAÇÃO E O CONTRATO (...)”

“Num relatório de sete páginas, o conselheiro Renato Martins Costa cita uma série de problemas envolvendo a contratação da empresa. O primeiro deles é que o edital da concorrência foi feito mediante ‘cláusulas viciadas que afetaram a competitividade da disputa’. (...)

Outro item previsto no contrato questionado pelo TCE é o que autoriza a utilização de servidores municipais na execução dos serviços terceirizados - as responsáveis por fazer a comida especificada no cardápio diário determinado pela SP Alimentação são as merendeiras da prefeitura que trabalham nas escolas e nas creches. O conselheiro escreveu no relatório que esse fato ‘é repudiado por jurisprudência’.


O tribunal também julgou irregular a inabilitação - pela prefeitura - da empresa Geral J. Coan & Cia Ltda., que retirou o edital para participar da concorrência. De acordo com o órgão, a empresa apresentou a documentação descrita. A sua saída do processo ‘violou a isonomia das participantes e implicou julgamento subjetivo dessa fase do certame’.

Outro apontamento feito pelo TCE é que a concorrência impôs às empresas interessadas nos serviços de merenda o ônus de relacionar e complementar os equipamentos e utensílios disponíveis nas unidades educacionais. O TCE cita que esta providência deveria ter sido ‘atribuída à Administração’.

É no final do relatório que o conselheiro aponta o que ele classificou como ‘mais grave dos autos’. Trata-se do orçamento estimativo que orientou a concorrência, ‘cuja idoneidade não ficou comprovada’, escreveu Martins Costa. A estimativa de custo prevista no edital pela prefeitura foi de R$ 9.465.708,00.


No entanto, o contrato celebrado com a SP Alimentação foi de R$ 15.405.108,00 (aditamento feito em março último prorrogou o contrato por mais um ano ao valor de R$ 16,2 milhões). O conselheiro aponta como ‘injustificada a contratação de proposta significativamente superior’ sob dois aspectos: 1) em relação ao limite estabelecido no edital (os R$ 9,4 milhões) e 2) em comparação ao valor do contrato de fornecimento de merenda anteriormente vigente no município.” (Jornal de Limeira, 31/10/2007 – leia aqui)

Obviamente, o governo Félix e a SP recorreram da decisão. O recurso foi acatado parcialmente, tão parcialmente que significou uma derrota para o município. O TCE retirou de sua decisão original apenas os itens que tratavam da exigência no edital da licitação de demonstração de capital social integralizado e de prestação de garantia de participação. Nas demais questões, mais relevantes, o TCE manteve sua decisão. O julgamento do recurso deu-se em 23 de setembro de 2009 (leia mais
aqui).

Atendo-se às questões mais relevantes da licitação, que são os apontamentos de preço acima do mercado (superfaturamento) e restrição à competição (direcionamento), o substituto de conselheiro Marcos Renato Böttcher, em relatório de 13 páginas referente ao recurso, cita que:

“Quanto à errônea inabilitação da empresa Geraldo J. Coan & Cia Ltda., as explicações, assim como o próprio reconhecimento da falha, não descaracterizam a grave irregularidade cometida, pois o fato de a empresa não ter recorrido daquela decisão não é garantia de ausência de prejuízo. Assim, por resultar comprometida a legalidade e competitividade do certame, não há como acolher a argumentação intentada.

Com relação ao valor do ajuste, as razões ofertadas em nada alteram o panorama processual, pois, ainda que o contrato anterior, realmente, não possa servir de parâmetro comparativo, não restou demonstrada a efetiva compatibilidade do preço avençado com aqueles praticados no mercado. Nos esclarecimentos ofertados não restou dirimida a grande discrepância existente entre o orçamento estimativo e o valor contratado, o que não afasta a ofensa ao artigo 48, inciso II, da Lei Federal nº 8.666/93.”
(grifos meus - leia a íntegra
aqui, com todos os argumentos apresentados pela prefeitura e SP Alimentação e as razões do TCE)

Em tempo: auditoria preliminar, feita pela unidade regional do TCE em Araras, apontou irregularidades também em todos os termos de prorrogação (1º ao 6º) do contrato da prefeitura com a SP e no Termo Aditivo (1º) – que fizeram o contrato somar no total R$ 56 milhões. (veja detalhes
aqui)

Diante deste material, resta-me a pergunta: qual o interesse da prefeitura em tentar ludibriar a opinião pública, em deliberadamente mentir sobre o caso da merenda?

PS: ouvi hoje de um vereador governista que analisou os papéis da licitação em questão e que nada havia de irregular (como se casos escusos envolvessem apenas fraude em papéis licitatórios). Só posso concluir que o vereador nunca leu as decisões do TCE...

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