terça-feira, 4 de agosto de 2015 | |

Paternidade

Tenho amigos que sofrem com excesso de peso. E entram em dietas loucas para abaterem a carga. Disparate. Será que eles não sabem que a melhor forma de melhorar a figura é abraçar a paternidade?

Fui pai há dois meses. Perdi cinco quilos. Inevitável: não é possível ser escravo de um pequeno e adorável tirano com 3,5 kg impunemente. O meu filho é o meu "personal trainer", 24 horas por dia, sete dias por semana.

O treino começa logo de manhã. Manhã? Melhor escrever "madrugada". Ele chora. Ele mama. Ele acalma. E, depois desse processo, qualquer pai moderno encontra a primeira prova olímpica da sua vida: o lançamento de arroto. Desconhecia a modalidade, mas explico aos iniciados: consiste em colocar o bebê em posição vertical e esperar, com uma atenção psicótica, que ele simplesmente arrote depois do repasto.

Confesso dificuldades no processo: entre vários ruídos guturais, como distinguir o som claro, vibrante, inconfundível de um arroto? Há discussões conjugais a respeito. "Ele já arrotou?", pergunta a mãe. "Não tenho a certeza", responde o pai. E ficamos os dois à espera de Godot.

Quando ele milagrosamente aparece, há uma alegria lavada em lágrimas. Quem diria que o ser humano, no fundo, precisa de tão pouco para ser feliz?

E quem fala em arroto, fala em dormir. Tradicionalmente, as pessoas religiosas rezam antes de fecharem os olhos. Com um bebê, é o inverso: primeiro ele fecha os olhos, e depois os pais rezam. Mas até na oração é preciso cuidado. "Para de respirar!", já escutei da mãe exausta.

Eu me afasto do berço como uma bailarina do Bolshoi. Mas os imprevistos acontecem: um objeto que cai; um som vindo da rua; um osso do nosso corpo que estala. Ele acorda, e nós percebemos que o paraíso esteve quase, quase ao nosso alcance.

Melhor mudar de cenário. Mas um bebê não muda apenas de cenário: ele precisa de uma comitiva para o efeito. Berço, banheira, roupa, comida, carrinho – nem a corte portuguesa, quando fugiu para o Rio de Janeiro em 1808 com medo dos franceses, conseguiria igualar a logística de um recém-nascido.

E quando conseguimos enfiar tudo dentro do carro, prontos para partir, o pequeno rei adormece. Podemos falar a sério?

Aconselho a experiência a amigos relutantes. E não apenas por motivos estéticos. Antes disso, temos os éticos: um bebê anula as nossas patéticas vaidades.

Aliás, por falar em vaidade, ela é a primeira a ser jogada pela janela. No princípio, trocava de camisa umas três vezes ao dia. Não mais. Habituei-me às nódoas de leite e só mudo de traje quando a roupa virou farrapo.

(...) O que me leva ao delicado tema da intimidade entre o casal.

"Tudo como dantes?", perguntam os amigos ansiosos. "Melhor que nunca", respondo. No dia 12 de julho – oh Deus, lembro-me como se fosse hoje! – consegui dormir com a minha senhora quatro horas sem interrupções.

Quando despertamos, embriagados de tanto prazer, a pergunta era inevitável: "Querida, foi tão bom pra você como foi para mim?".

De resto, há um erro comum que os casais cometem quando chega um filho ao ninho conjugal: abandonar outros interesses. Jamais cedi à tentação. Cinéfilo desde sempre, continuo a consumir filmes com a mesma regularidade.

A única diferença é que passei a prestar atenção a outros pormenores artísticos. Como os créditos iniciais (quando adormeço) e os créditos finais (quando desperto). Quem precisa de enredo, personagens, diálogos e outras minudências que existem lá pelo meio?

E eis que a noite cai. E eis que se mudam fraldas. Nenhum drama: o momento só é problemático para quem gosta de pedir esparregado em restaurantes. Nunca foi o meu caso.

Prefiro olhar para o pequeno homem que me olha fixamente. E que concede um sorriso só para aumentar o "síndrome de Estocolmo" de que sofro com prazer masoquista. (...)

Fonte: João Pereira Coutinho, “Pai aos 40”, Folha de S. Paulo, Ilustrada, 4/8/15.

0 comentários: