quinta-feira, 19 de março de 2015 | |

Além da crise política

A seguir, trechos de uma interessante entrevista do filósofo Vladimir Safatle ao jornal “Folha de S. Paulo”, na qual ele faz uma análise mais ampla e complexa (distante, portanto, do inútil e rasteiro “fla x flu” partidário que tomou conta do país:

Vivemos atualmente uma instabilidade política em meio a comemorações de 30 anos da redemocratização. A democracia brasileira está consolidada?
Safatle - (...) Apesar disso, é falso chamar de "democracia incompleta". O certo é dizer que é uma neodemocracia que gira em torno dos seus impasses há 30 anos. Do final dos anos 1980 até hoje a democracia não se aperfeiçoou, e os seus problemas ficaram mais evidentes, como a baixa participação popular, um sistema parlamentar que produz distorções no sistema representativo e perpetuação de castas que interferem no sistema, interferências econômicas inacreditavelmente altas nos processos eleitorais. Nesse momento da história, é necessário ter claro o fato de que a Nova República acabou, morreu.

O que isso quer dizer? Quais são os impactos disso para o sistema democrático e para o país?
Safatle - A Nova República foi, entre outras coisas, um modelo de construção pós-ditadura na qual a governabilidade era compreendida através da cooptação de uma parte da classe política que se desenvolveu na própria ditadura, e da gestão de toda essa massa fisiológica da política brasileira vinculada a interesses locais. Foi assim no governo de Fernando Henrique Cardoso, com apoio de Antonio Carlos Magalhães e do PFL, e foi assim no governo Lula, com Sarney. Nos dois casos, o PMDB era o grande gestor da fisiologia política. Esse modelo se esgotou completamente. A produção de grandes atores políticos, do PT e do PSDB, se desmontou. Esses dois núcleos se esgotaram por completo. Ninguém mais espera que o processo de modernização nacional possa ser feito a partir de propostas desses dois grupos. Os dois já foram testados e demonstraram limites muito evidentes. Ninguém vai conseguir fazer nada continuando este modelo. O trágico é que quando uma coisa termina, ela não acaba necessariamente logo, e pode continuar como zumbi, como morto-vivo, e o país fica paralisado por muito tempo. Nada está acontecendo, apesar de todos os embates atuais. O fim do modelo é trágico, e leva consigo os atores políticos, intelectuais e formadores de opinião. (...)

Em tempo: postei apenas dois trechos, como exigido pelo jornal, mas reforço que vale a leitura de toda a entrevista, cujo link está no início da postagem.

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