terça-feira, 24 de fevereiro de 2015 | |

Jornalismo: o "outro lado" realmente existe?

Nos anos em que trabalhei como editor-chefe de um jornal diário no interior de São Paulo, uma questão costumeiramente me incomodava (embora, eu admita, tenha sido na maioria das vezes uma luta perdida): o mero formalismo do “outro lado”.

Era comum deparar com denúncias ou reclamações em que o repórter trazia apenas o registro de alguém se queixando e a posição do alvo da queixa (via de regra o poder público). Mais que isto, muitos textos eram feitos na condicional. “O mato estaria...”, “a empresa teria feito...”.

Ora, eu perguntava: você, repórter, foi ao local, apurou, investigou, qual a conclusão? O que de fato houve? É dever do jornalista procurar as respostas e oferecê-las ao leitor. Se há um buraco na rua, há um buraco na rua e ponto. Se foi causado pela chuva, foi causado pela chuva. Se a prefeitura há dez dias foi acionada e nada fez, é preciso dizer que há dez dias foi acionada e nada fez.

Apuração, investigação – regras básicas do jornalismo.

Nos textos, porém, apareciam apenas moradores reclamando e o outro lado rebatendo. Em geral, posições opostas.

Travava-se um diálogo interno e silencioso. “Eu, jornalista, fiz minha parte, ouvi os dois lados. Você, leitor, tire a conclusão”. Estava em tese cumprido o “dever” – meramente formal – de ouvir o outro lado.

Como assim?, eu perguntava. O leitor não deve ser obrigado a fazer investigações por conta própria. Ele paga um jornal para ter as respostas, não dúvidas.

O problema não era exclusividade do meu antigo jornal. Recentemente, ao ler a coluna da ombudsman da “Folha de S. Paulo”, Vera Guimarães Martins, deparei-me com um questionamento semelhante:

(...) A toada dos dois lados sugeria mais uma DR (discussão de relacionamento) entre compadres magoados do que o debate de um problema urgente (...). O jornal, de seu lado, relegou o assunto a um texto acanhado, que resumia os argumentos dos atores envolvidos, sem informar suas atribuições e responsabilidades. 

Nenhuma resposta a questões óbvias, daquelas que passam imediatamente pela cabeça do leitor (...). 

Vale ressaltar que matérias que pecam pelo mero registro mecânico do discurso dos entrevistados ou pela falta de contestação de afirmações questionáveis não são exceção à regra nem problema de uma só editoria, embora os exemplos hoje comentados sejam do mesmo caderno. Suspeito que o problema seja fruto de uma leitura apressada da determinação de ouvir todos os lados e deixar que o leitor tire suas próprias conclusões. A prescrição é correta, mas cabe ao jornal desenhar bem o cenário para que ele possa fazer isso. Rascunho é pouco. 

Está aí uma discussão importante e necessária. Alguém se arrisca?

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