quinta-feira, 8 de janeiro de 2015 | |

O que escrevem de você e o que você compartilha

A Corte de Justiça da União Europeia tomou no ano passado uma decisão extremamente relevante e polêmica: permitiu que um cidadão tivesse apagados registros no Google referentes ao seu passado. É o chamado “direito de ser esquecido”.

Esta é, sem dúvida, uma questão dos tempos modernos – e que veio para ficar.

"A decisão confirma a necessidade de trazer as normas atuais de proteção de dados da idade da pedra digital para o mundo da computação moderna", registrou Viviane Reding, comissária da Justiça da UE.

"Serviços de busca não armazenam informações, e tentar levá-los a censurar conteúdo legal em seus resultados é a abordagem incorreta. A informação precisa ser resolvida na fonte (…)", disse Emma Carr, diretora de uma organização pró-direitos de privacidade.

A polêmica coloca em pauta também os direitos (constitucionais em grande parte das democracias) às liberdades de imprensa e de acesso à informação.

No Brasil, a Constituição registra em seu artigo 5° que:

IX - é livre a expressão da atividade (...) de comunicação, independentemente de censura ou licença; 

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Para o jurista Paulo Rená, “garantir o esquecimento, a fim de proteger a intimidade, pode abrir as portas para o crescimento da censura privada”. Em artigo para a “Folha de S. Paulo”, ele anotou:

Na Europa, foi ressalvado que o interesse público em acessar a informação supera a eliminação de dados considerados "inadequados, irrelevantes ou excessivos". 

E se fosse um livro, ou um filme, a palavra final sobre o que pode ou não ser narrado cabe ao desejo particular ou à Justiça?

A Internet, porém, além de complexa e instigante, por vezes é paradoxal. Como chamou a atenção Marcelo Coelho, também em artigo na “Folha”:

Como a internet funciona por ondas, um velho boato ou uma antiquíssima besteira renascem, meses depois de terem sido arquivadas. A mentira pode ter pernas curtas, mas volta sempre. 

Há ao mesmo tempo uma hipertrofia da memória --tudo pode ser lembrado-- e uma atrofia da memória, porque tudo será esquecido. Na política, Fulano denuncia um caso de corrupção, que equivale ao outro em que ele próprio estava envolvido.

Vê-se, portanto, que lembrar e esquecer são verbos intrínsecos à rede mundial.

Outro problema trazido à tona pela modernidade e que chegou à Justiça envolve os crimes de injúria, calúnia e difamação cometidos via redes sociais. Quando a autoria é conhecida, a possibilidade de processo é normal, bem como a chance de sucesso. A novidade apresentada no final de 2013 por uma decisão da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo é o risco de condenação de quem compartilhar ou curtir eventuais ofensas.

O caso envolveu duas moradoras de Piracicaba e um veterinário da cidade. Uma das mulheres postou mensagens no Facebook consideradas em primeira instância ofensivas ao profissional. A outra as compartilhou. Ambas tiveram a condenação confirmada pelo TJ em decisão dos desembargadores José Joaquim dos Santos e Álvaro Passos, além do relator José Roberto Neves Amorim.

Apontou o relator:

Ora, por certo é direito de todos a manifestação do livre pensamento, conforme artigo 5º, IX, da Constituição Federal, contudo, caminha com este direito o dever de reparar os danos dela advindos se estes violarem o direito à honra (subjetiva e objetiva) do autor, direito este também disposto na Constituição Federal em seu artigo 5º, V e X. 
Se por um lado o meio eletrônico tornou mais simples a comunicação entre as pessoas, facilitando também a emissão de opinião, sendo forte ferramenta para debates em nossa sociedade e para denúncias de inúmeras injustiças que vemos em nosso dia-a-dia, por outro lado, trouxe também, a divulgação desenfreada de mensagens que não condizem com a realidade e atingem um número incontável de pessoas, além da manifestação precipitada e equivocada sobre os fatos, dificultando o direito de resposta e reparação do dano causado aos envolvidos. 

(...) Há responsabilidade dos que “compartilham” mensagens e dos que nelas opinam de forma ofensiva, pelos desdobramentos das publicações, devendo ser encarado o uso deste meio de comunicação com mais seriedade e não com o caráter informal que como entendem as rés.

Para quem tiver curiosidade, a sentença de primeira instância pode ser lida aqui, bem como o acórdão do TJ.

Portanto, mais cuidado com seus cliques. As redes sociais são parte da sociedade e estão sujeitas às mesmas regras legais, como tem confirmado a Justiça.


* Leia também (acrescentado em 15/6/15):

- Deixando as digitais

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