sexta-feira, 28 de novembro de 2014 | |

A questão do racismo e a política de cotas

Dia desses, conversava numa mesa de bar com outras três pessoas a respeito do racismo. O trio criticando as cotas raciais e a costumeira posição de que os negros são os mais racistas de todos. Mencionavam, como de praxe, o falacioso argumento da camisa “100% branco”.

Contra-argumentei que tais manifestações ignoravam ou desconsideravam todo um processo histórico e só podiam partir de quem estava numa cômoda posição de não viver tais infortúnios – os do racismo.

Citei dados que corroboravam as marcas ainda profundas do racismo nas sociedades em geral. E defendi com vigor que aquela torcedora do Grêmio flagrada xingando o goleiro Aranha, do Santos, de “macaco” merecia uma punição rigorosa, nos limites da lei. Porque ela poderia tê-lo xingado de qualquer outra coisa, mas escolhera sim uma manifestação sabidamente – e conscientemente – racista.

Pois esta semana li um artigo do jornalista Clóvis Rossi na “Folha de S. Paulo” que reforçou minhas convicções e trouxe detalhes do que eu argumentara na ocasião da conversa.

(...) Os números mostram os motivos da divisão: os negros são 13% da população total (dos EUA), mas formam 40% da população carcerária; 3% de todos os homens negros estavam presos no fim de 2013, quando a taxa entre brancos era de apenas 0,5%. 

Em 2011, 1 de cada 15 afro-americanos tinha o pai preso; entre brancos, a proporção era de 1 para 111. (...)

Rossi cita uma pesquisa a respeito de um recente episódio da morte de um garoto negro por um policial nos EUA segundo a qual “62% dos afro-americanos dizem que o policial (branco) Darren Wilson errou ao atirar no negro Michael Brown, opinião que apenas 22% dos brancos compartilhavam”.

E concluía:

(...) Foi esse sentimento desumano que plasmou toda uma legislação segregacionista durante séculos. 

O fato de ela ter sido derrubada aos poucos não bastou para matar todos os demônios racistas que habitam os seres humanos. 

Será preciso toda uma revolução cultural e mental, por meio de uma ativa educação à convivência, para que um negro possa sentir-se tão à vontade nos EUA como um afegão. (...)

Numa entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, publicada em abril último, o ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, manifestou-se no mesmo sentido:

As estatísticas ainda mostram que a raça faz uma grande diferença. Afro-americanos e hispânicos não só são comparativamente mais atingidos pela pobreza como são muito mais passíveis de serem presos do que outras pessoas. Desde que saí da Casa Branca, 800% mais mulheres negras estão encarceradas. A maioria das pessoas que estão na prisão por um longo tempo são hispânicos, negros ou mentalmente deficientes. A conclusão é que, considerando as pessoas que escrevem as leis, administram as leis e as aplicam, as demais são excluídas de qualquer tratamento igualitário no sistema de Justiça.

As políticas afirmativas, como a de cotas, são de fato polêmicas. Na minha visão, devem ter prazo determinado. São, porém, uma alternativa possível – talvez não a melhor, mas uma alternativa. Que é, indubitalvemente, melhor do que a inação.

É dever do Estado corrigir mazelas que ele mesmo criou ao longo dos anos, ainda que alguém pague indevidamente o preço do que não fora causado em seu tempo.

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