sexta-feira, 4 de abril de 2014 | |

Uma questão perturbadora

É recorrente na história da humanidade o recurso às “boas intenções” como justificativa para determinados atos a priori reprováveis – a violência, por exemplo.

Um ensaio recente, do búlgaro Tzvetan Todorov, retrata bem esta situação sob a ótica do trabalho do pintor espanhol Francisco José de Goya y Lucientes. O livro – “Goya à sombra das Luzes” (Companhia das Letras) – mereceu excelente análise de Luciano Trigo no blog “Máquina de escrever”.

Recentemente, mencionei aqui uma conversa que tive um com petista de carteirinha e meu assombro diante da forma como determinados atos – o “mensalão”, por exemplo, ou a ditadura cubana, chamada eufemisticamente de “democracia diferenciada” – eram justificados em nome de uma “causa”. Ou “causa nobre”, como menciona Trigo em seu artigo.

Quando se recorre ao maquiavelismo para justificar os atos, está posto o perigo para a sociedade. Via de regra, a história mostra que isto não acaba bem. O exemplo dos totalitarismos, como o nazi-fascismo, pode soar abusivo, como contestou dia desses um provocativo (no bom sentido) colega de trabalho. Como se a menção aos absurdos hitlerianos não valesse numa discussão. “Aí não dá, você apelou”, rebateu o colega.

Contra-argumentei dizendo que o princípio das ações era o mesmo – não estava focando unicamente nos resultados, embora a citação a Hitler buscasse obviamente causar impacto.

O fato é que quando se considera nobre uma causa e tudo em nome dela é válido e justificável, corre-se o risco cometer atrocidades em nome de um suposto bem maior.

Bem para quem? Existe razão – ou nobreza - para tal causa? Determinada por quem?

Uma sociedade pode, em nome da paz e da democracia, recorrer à violência e à guerra? Um partido pode, em nome de uma suposta luta contra a desigualdade social, cooptar e corromper outros? Um governo pode, em nome da continuidade de um projeto supostamente democrático e social (ou contra um projeto supostamente neoliberal), recorrer à falta de transparência, à truculência, a manobras econômicas e fiscais, ao fisiologismo e ao populismo barato?

São questões perturbadoras. Com raízes históricas e atuais como nunca.

Terá havido, afinal, alguma sociedade que não tenha se deixado levar pela crença – falaciosa? – de que suas verdades fossem “as verdades”? Creio que resposta penda para o “não”.

Como escreveu Trigo: “Numa sociedade crescentemente dividida entre nós e eles, com o tempo nós passamos a acreditar que estamos sempre certos, mesmo quando estamos errados. Aprendemos que nós podemos mentir, roubar, caluniar, corromper e mesmo assim estaremos certos, porque nós somos nós. Já eles estarão sempre errados, mesmo quando estiverem certos, porque afinal de contas eles são eles”.

Em tempo: para quem acha que um outro mundo é possível (ou quem acredita que políticos são todos iguais), recomendo assistir à
entrevista do presidente do Uruguai, José Mujica, ao programa “Canal Livre”, da Band.

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