segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014 | |

A coisa pública

(...) Não é preciso brigar, visto que linchadores e bandidos são filhos de um mesmo problema endêmico: aqui, a coisa pública não vingou - o Estado, para nós, é uma pompa, mais ou menos ridícula, ele não é nada dentro da gente. Se não tem coisa pública, por que eu não viveria matando quem não me entrega seu relógio? Se não tem coisa pública, por que eu não lincharia quem me assalta?

(...) Ao longo do debate, foi citada, mais de uma vez, a receita de Nova York nos anos 90, "tolerância zero", como se fosse uma medida de repressão. Não era. Nunca foi. "Tolerância zero" era uma estratégia para fazer existir o espaço público. Sua moral: se você não quer assaltos no parque, cuide das flores. Não deixe que mijem nos canteiros, e o número dos assassinatos diminuirá. Diminuiu.

(...) Será que, nessa zona de tiro livre, só tem espaço para linchadores e bandidos? Não, claro, há todos os outros, que são (somos) os "salve-se quem puder" - com diferenças: alguns podem fugir para Miami, outros só podem baixar os olhos e caminhar rente aos muros.

Fonte:
Contardo Calligaris, “Linchadores e bandidos”, Folha de S. Paulo, Ilustrada, 20/2/14.

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