domingo, 19 de janeiro de 2014 | |

"São Paulo, teu nome"

Urbinácia máxima imperfeita
lençol de eus e meus em multidão
plantada em hastes, a planalticeia:
cidade inventada a cada pessoa.

Teus homens, mulheres e moribundos
vestem a roupa rústica das manhãs
à noite desapertam os calçados da tarde
ora com nuvens, ora sem elas.

Levam às ruas o coração fechado
enquanto os olhares usurpam cores
das feias esquinas à quimera das vitrines
atados estamos ao preço das coisas.

E a matéria vivida coexiste calada
nos cômodos das mesmas casas
soma de tantos gestos e sentenças
manchas úmidas nas paredes gastas.

Quantos insones atravessam a tua noite
acionam os remos largos da madrugada
e no amanhecer fecham os olhos cansados
indiferentes à altivez dos arranha-céus.

Na praça do bairro aparecem as primeiras
crianças - as que se interessam pela terra
acreditam na sombra das árvores
e acolhem faceiras a luz deste dia.

Aos poucos - avenidas, viadutos, prédios
despertam os músculos, os ossos e o rosto.
Novamente o corpo se levanta por inteiro
novelo de artérias sem fim nem começo.

Teu nome, São Paulo, induz ao engano,
tão pouco de ti lembra a santidade.

(De Fernando Paixão; publicado originalmente no caderno Ilustríssima, da “Folha de S. Paulo”, em 19/1/14)

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