quarta-feira, 8 de janeiro de 2014 | |

Ainda a TV Cultura: audiência e preconceito

Não pretendia voltar ao tema da TV Cultura, já que considerei suficientes os argumentos apresentados no texto postado neste blog e publicado no “Jornal de Limeira” no último dia 25 de dezembro, mas creio ser pertinente abordar outros dois aspectos que vez ou outra (ainda) são mencionados.

O primeiro deles é a questão da audiência. Ouvi, com certa tristeza, de um assessor do prefeito Paulo Hadich (PSB) e depois li uma fala do próprio chefe do Executivo, numa entrevista ao jornal “Gazeta de Limeira”, que a TV Cultura não tem audiência significativa em Limeira.

Isto é fato – não só em Limeira, aliás. O que se coloca, porém, é a lógica por trás deste tipo de argumento. Disse ao assessor de Hadich que se há um governo que não tem direito (repito, em letras garrafais, NÃO TEM DIREITO) de recorrer ao argumento da audiência é o atual.

É lamentável que o chefe do Executivo de uma administração supostamente de viés esquerdista, de caráter supostamente social e progressista, encabeçada por dois partidos que historicamente lutaram por causas de interesse popular, como PSB e PT, caia na armadilha de saudar as regras do mercado (no caso, da audiência) para justificar uma medida lamentável sob todos os aspectos e injustificável sob qualquer parâmetro.

Para quem não entendeu, vou repetir: este ponto de vista foi apresentado por mim direta e pessoalmente a um assessor de Hadich. Gostaria de fazê-lo diretamente ao prefeito, mas creio que ele possa ter recebido o recado.

Esta semana, ao elaborar uma série especial que irá ao ar em breve, entrevistei a jornalista e pesquisadora Teresa Otondo. Argentina de nascimento, mudou-se para o Brasil aos dois anos de idade. Trabalhou nos primórdios do “Jornal da Tarde”, que revolucionou a imprensa escrita brasileira, e depois em “O Estado de S. Paulo” e “TV Cultura”, onde implantou com sucesso um setor de relações internacionais.

Já na academia, fez seu doutorado tendo como tema de pesquisa a TV pública. Disso resultou o livro “TV Pública – para quem e para quê?”. Na entrevista, ela foi enfática em dizer que um dos principais diferenciais de uma televisão de caráter público é justamente que sua programação “não se mede pelo denominador comum” das massas.

Ou seja: não se deve medir pelas amarras da audiência (no Brasil representada pelo Ibope).

Uma emissora que visa prestar um serviço público não pode ter como parâmetro ou referência os números do Ibope, o que não significa que não busque ampliar sua audiência.

Daí, portanto, ser lamentável (e diria até incabível) o argumento de Hadich, a não ser que ele admita que seu governo não se importa com qualidade e sim com quem é mais sucedido comercialmente.

O segundo ponto que considero importante manifestar envolve um preconceito extremo que se esconde por trás do argumento de que quem assiste à TV Cultura tem acesso à TV por assinatura.

Sou prova de que isto não é verdade. Dia desses, estava parado no trânsito na Avenida do Estado, em São Paulo, num trecho já bem na periferia, quando uma vendedora ambulante, ao ver o carro da TV Cultura, fez uma brincadeira referindo-se a um outro vendedor que ofertava bonecos do “Cocoricó”, famoso programa infantil da emissora.

Diante do comentário a respeito dos personagens “Júlio” e “Alípio”, a vendedora emendou: “ah, mas eu gosto mesmo é da Lola”.

Trata-se de uma telespectadora que certamente não dispõe de TV por assinatura. E não é manifestação isolada. Em Limeira, ouvi de um senhor humilde um comentário a respeito dos programas “Viola, Minha Viola”, de Inezita Barroso, e “Sr. Brasil”, de Rolando Boldrin. Também ouvi uma mulher de trajes humildes, moradora da periferia, sem TV por assinatura, comentar a respeito da entrevista da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva ao programa “Roda Vida”.

Comentários semelhantes ouvi esta semana em Bragança Paulista, de pessoas também humildes.

De modo que só posso considerar preconceituosa a visão que pretende ligar o gosto pela programação da TV Cultura a uma suposta elite.

E ainda que isto fosse verdade, caberia a pergunta: mas o povo não tem direito a ter acesso a uma programação alternativa e de qualidade comprovada por premiações em nível nacional e internacional?

Em tempo: a Cultura ficou em segundo lugar numa pesquisa encomendada pela BBC – emissora referência em TV pública no mundo – sobre a qualidade da programação em 14 países. Foram consultadas 23 emissoras públicas e 43 comerciais, seis delas brasileiras. À frente da Cultura (com 76% de indicação), apenas a BBC One, de Londres (79%).

PS: seria mais digno e condizente com o que prega Hadich explicar os verdadeiros interesses que motivaram todo o imbróglio a respeito da TV Cultura em Limeira. Ele e eu sabemos que não é exatamente o que vem sendo colocado publicamente até agora.

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