terça-feira, 28 de janeiro de 2014 | |

A crise das (nossas) cidades

De volta às ruas, manifestantes do MTST protestaram por mais moradia em São Paulo. Diante da cidade atual, fragmentada em diversos problemas (violência, trânsito, moradia, mobilidade, cracolândia, etc.), o caos de São Paulo é irreversível?
(Antonio Risério) - É reversível, desde que não sejamos irresponsáveis. Atravessamos a maior crise urbana da história brasileira. E nossos governantes, numa verdadeira marcha da insensatez, abrem mão da reforma urbana. Ninguém ouve mais falar da grande reforma urbana nacional que a presidente Dilma Rousseff se comprometeu a fazer. As promessas não se traduziram em práticas. O programa Minha Casa, Minha Vida constrói hoje as favelas do futuro. Em São Paulo, Fernando Haddad lançou o projeto Arco do Futuro, mas logo o jogou no lixo. O Brasil é um país que, por flexibilidade ou por hipocrisia, chega muito fácil a certos consensos, mas não realiza as coisas. É por isso que podemos falar de consensos subversivos - consensos que, se levados à prática, transformariam espetacularmente a vida brasileira. Por exemplo: todo mundo concorda que todos precisamos de um lugar onde morar. Mas por que até hoje isso não aconteceu? Milhões de brasileiros, depois de 20 anos de governos social-democratas, continuam amontoados em alojamentos deprimentes. Em nenhum outro lugar a desigualdade social se expressa de forma tão clara e brutal quanto na moradia. No entanto, a carência habitacional seria superada se os donos do poder e do dinheiro conjuntamente o quisessem. Para enfrentar a crise atual, precisaríamos de um governo que levasse o assunto a sério, de um verdadeiro Ministério das Cidades, de prefeitos que não se comportassem como agentes da especulação imobiliária, de uma verdadeira vontade coletiva de sair do buraco. De uma verdadeira reforma urbana.

(...) Agora no 460° aniversário da cidade, o que São Paulo diz sobre nós? O que Salvador diz sobre o sr.? E, por fim, o que as cidades brasileiras dizem sobre o Brasil?
As cidades brasileiras estão vivendo hoje dias especialmente difíceis, de uma ponta a outra do País. Estão maltratadas, sujas, agressivas. Salvador parece uma mistura de cantora de axé, prostituta decadente e capoeirista bêbado, um vilarejo com elefantíase, com uma classe rica incomparavelmente grosseira e governantes que não têm ideia do que seja uma cidade. Às vezes, chego a pensar que a população atual de Salvador não está à altura da cidade que herdou, porque, se estivesse, não avacalharia tanto o lugar. Mas não penso que seja o fim do mundo. São Paulo também atravessa tempos muito conturbados, mas acho que está melhor do que Salvador. Prefiro mil vezes andar pelas ruas paulistanas do que pelas baianas. Para usar um clichê, São Paulo diz muito de nossa força e de nossa miséria. A cidade é bem maior do que seus governantes. E - ainda em termos banais, mas sinceros - acredito que, mais cedo ou mais tarde, essa força (humana, social, cultural) vá vencer a miséria física e reinstaurar a urbanidade perdida.

Fonte: Juliana Sayuri, “Em busca do urbanismo perdido”, “O Estado de S. Paulo”, Aliás, 26/1/14, p. 2.

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