sexta-feira, 28 de junho de 2013 | |

"Baderneiros", "arruaceiros" e afins

Desde o início da “Primavera” brasileira – ou das "Revoltas de Junho", como já vêm sendo chamados os protestos que tomaram as ruas do país nas últimas semanas -, pensei muito a respeito da presença de vândalos e baderneiros. Isto porque os atos de vandalismo e violência serviram de desculpa para uma boa parcela da população – via de regra reacionária e conservadora - colocar-se contra as manifestações.

Algo me incomodava nas análises que simplesmente focavam os protestos na presença de “baderneiros”, “arruaceiros” e “criminosos”, como passaram a ser classificados pela mídia em geral. Será que ninguém percebia que estavam dando atenção demais ao acessório e deixando de lado o principal – as milhares (quiçá milhões) de pessoas nas ruas e seus justos e legítimos pedidos?

Naturalmente, soa absurdo e insano, admito, defender qualquer ato de vandalismo e/ou violência. Não é exatamente isto que pretendo. Confesso, pois, que as informações a respeito de eventuais “prejuízos” causados pelos “baderneiros” não me chocavam. Ou melhor: me chocavam às avessas.

Quando li que os danos à sede da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) somariam R$ 2 milhões, pensei: “prejuízo é o que os parlamentares corruptos causam a este país e, garanto, é muito maior do que estes dois milhões”. O mesmo me veio à mente quando vi o balanço dos gastos com os objetos públicos destruídos em São Paulo.

Nesta quinta-feira (27/6), li um artigo que traduz bem o que eu penso e sempre pretendi dizer sobre o assunto. Reproduzo a seguir parte dele (a íntegra está disponível no link ao final):

(...) O poder, quando não é efeito de graça divina, vem dos próprios cidadãos e é condicional: só posso reconhecer e respeitar a autoridade que me reconhece e me respeita. Uma autoridade que me desrespeita merece uma violência equivalente à que ela exerce contra mim. 
Além disso, é bom não perder o senso das proporções. "Olhe, olhe!", grita um repórter, enquanto a tela mostra alguém que foge de uma loja saqueada levando algo no ombro. Tudo bem, estou olhando e não estou gostando, mas minha indignação é mais antiga e por saques muito maiores. 
Outro repórter pensa nos coitados que perderão o avião, em Cumbica, por causa dos manifestantes que bloqueiam o acesso ao aeroporto. Mas o verdadeiro desrespeito é o de nunca ter construído uma linha de trem entre São Paulo e o maior aeroporto do país. 
O ministro Antonio Patriota se declarou indignado com o vandalismo contra o Palácio do Itamaraty. Com um pouco de humor negro, eu poderia suspeitar que os apedrejadores talvez tenham precisado um dia dos serviços de um consulado no exterior. Mas, deixemos. Apenas pergunto: se esses forem vândalos, então o que são, por exemplo, os latifundiários desmatadores da Amazônia? 
Enfim, à presidenta Dilma gostaria de dizer: não acredito que os "baderneiros" das últimas semanas tenham envergonhado o Brasil - nem mesmo quando alguns depredaram o patrimônio público. Presidenta, você sabe isto mais e melhor do que muitos de nós: o que envergonha o Brasil é uma outra baderna, bem mais violenta, que dura há 500 anos e que gostaríamos que parasse. 
Fonte: Contardo Calligaris, “Qual baderna?”, Folha de S. Paulo, Ilustrada, 27/6/13, p. E8.

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