quarta-feira, 19 de junho de 2013 | |

A "Primavera" brasileira entrou para a história

Muito já se falou - e muito ainda há para se falar - a respeito da série de protestos contra o aumento das tarifas de transporte público, o custo de vida, a corrupção e afins que marcaram os últimos dias em todo o Brasil.

Como sabiamente escreveu Clóvis Rossi na "Folha de S. Paulo" de terça-feira (18/6), é difícil entender o que se passa - há duas semanas, nenhum sábio seria capaz de prever tamanho grau de insatisfação e revolta entre a população. Só o tempo permitirá uma reflexão mais complexa do que vem ocorrendo no país, mas a gravidade dos acontecimentos exige urgência nas análises.

Assim, gostaria modestamente de fazer alguns registros a respeito dos protestos:

- Ficou mais do que evidenciado que a AMPLA maioria dos manifestantes agiu com boas intenções e de forma pacífica. Tome-se o caso do Rio de Janeiro: na passeata de segunda-feira, que reuniu cerca de 100 mil pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar, uma pequena minoria - estimada entre 500 e mil pessoas - partiu para o vandalismo visto no final do protesto. Isto dá, no máximo, 1% do total de participantes. Cenário semelhante ocorreu em outras cidades, de modo que não se pode generalizar o movimento classificando-o de "ação de baderneiros". Esta generalização, como via de regra todas, é simplória, burra e mal-intencionada.

- Ficou mais do que evidenciada a insatisfação geral com os governos, políticos e partidos, tenham qual coloração tiverem. Deste modo, soou patética a troca de acusações entre tucanos e petistas, tentando um responsabilizar o outro pela causa dos protestos e da violenta repressão policial em São Paulo (cidade comandada pelo PT, estado nas mãos do PSDB).

Não é à toa que cresceu na última década, como mostrou a "Folha de S. Paulo", a descrença dos brasileiros em relação aos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário. O que se viu foi apenas reflexo deste sentimento, fruto dos crescentes desmandos país afora.

- De modo mais amplo, ficou evidenciada a insatisfação com qualquer tipo de organização social (não só partidos, mas também sindicatos e afins). Isto significa que o país atingiu tal nível de descalabro nas esferas oficiais que a sociedade não se sente mais representada por ninguém. Diante disto, é necessário rever os modos de ação dos mecanismos que, em qualquer sociedade, devem servir de intermediários entre o povo e os governos (partidos políticos incluídos).

- Está claro que, de agora em diante, nenhum governante estará imune a manifestações. Portanto, governantes de hoje e de amanhã, abram os olhos. "O gigante acordou", como diziam vários cartazes nas manifestações.

- A presidente Dilma Rousseff fez um belo discurso na manhã de terça-feira (18/6) a respeito dos protestos do dia anterior. Disse ela: "A mensagem direta das ruas é por mais cidadania, por mais escolas, melhores hospitais, direito de participação. Essa mensagem das ruas mostra a exigência de melhorias no transporte a preço justo, e o direito de influir nas decisões de todos os governos. Essa mensagem das ruas é de repúdio à corrupção e ao uso indevido de dinheiro público e comprova o valor intrínseco da democracia, da participação dos cidadãos por seus direitos". 

O diagnóstico está correto e vale também para ela. Dilma não é alvo único dos protestos, como registrou Clóvis Rossi. Talvez não seja sequer o alvo principal, mas é TAMBÉM alvo. É bom abrir o olho. Afinal, não se pode pregar o que ela pregou sendo chefe de um governo que tem 30 ministérios, grande parte dos quais servindo única e exclusivamente para negociatas e acertos políticos visando a eleição. Ou não foi Dilma que trouxe de volta ao governo chefes de siglas (PR e PDT) que tinham sido alvos da famosa "faxina" contra a corrupção?

- Ao anunciar nesta quarta-feira (19/6) a redução das tarifas do transporte, os prefeitos do Rio, Eduardo Paes (PMDB), e de São Paulo, Fernando Haddad (PT), falaram em sacrificar outras áreas para garantir as verbas necessárias para a medida. 

Governar é, de fato, estabelecer prioridades. No caso do Rio, o prefeito afirmou, em certo tom de ameaça: "São R$ 200 milhões que têm que ser arcados pelo poder público. Arcar com esses recursos significa, sim, a escolha de prioridades. Serão R$ 200 milhões a menos investidos em outras áreas".

Em São Paulo, o secretário municipal dos Transportes, Jilmar Tatto, havia estimado um custo de R$ 300 milhões caso a tarifa voltasse ao valor pedido pelos manifestantes. Mais uma vez, isto significaria cortar verbas de outras áreas.

Como explicar, então, para a população que o município é capaz - como fez - de conceder benefícios fiscais de R$ 420 milhões em forma de CIDs (Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento) para a construção do Itaquerão, um estádio de futebol privado, que servirá para a Copa do Mundo, um evento privado?

Em outras palavras, a prefeitura abriu mão de receber R$ 420 milhões do Corinthians (dono do futuro estádio) e/ou da construtora responsável pela obra e depois alega que não dispõe de R$ 300 milhões para baratear a passagem de ônibus? Ora, talvez seja mesmo o caso de reforçar o que disse o prefeito do Rio: governar é escolher prioridades...

- Diante de cenários como o relatado acima, sobre o Itaquerão, entende-se a razão de tantos protestos contra a realização da Copa do Mundo no Brasil. Ou melhor: entende-se porque um movimento (pela redução das tarifas) ligou-se a outro (contra os gastos da Copa).

Aliás, os gastos do Brasil para a realização da Copa já somam R$ 28 bilhões.

- Por fim, se era possível reduzir as tarifas, por que os governantes não fizeram isto antes? Melhor dizendo, por que não evitaram o reajuste? Por que reagiram apenas depois que ficou claro que os protestos eram para valer e não teriam fim? Sentiram, de fato, o peso das ruas. Que sirva, portanto, de lição para o Brasil: o povo tem vez e voz. Basta saber fazer-se ouvir.

E que fique a lição para os governantes: não basta aprender a ouvir, é preciso mais. É preciso saber estabelecer prioridades. Se foi possível baixar a tarifa é porque era possível mantê-la no valor antigo. Ainda que isto custasse algum sacrifício do orçamento. Basta rever investimentos, como os destinados à construção de estádios milionários (ou bilionários, como os do Rio e Brasília). Prioridade - é, no fundo, o que o povo reivindicou nas ruas. Prioridade para o povo (educação, saúde, transporte de qualidade e etc).

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Em tempo: quem viveu os acontecimentos dos últimos dias pode sentir orgulho de ter visto a história do Brasil construir-se ao vivo, em tempo real.

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