domingo, 25 de novembro de 2012 | |

Bastidores da reportagem: lições de jornalismo

Deixar a presidência da entidade máxima do futebol no Brasil a dois anos da realização da Copa do Mundo no país não estava nos planos de Ricardo Teixeira. O mandato do até então mais poderoso cartola do esporte que é a paixão nacional só terminaria em 2015. Mas sua saída acabou sendo antecipada graças ao trabalho jornalístico de uma equipe de repórteres que ganhou o Grande Prêmio Esso de Jornalismo de 2012, anunciado na semana passada.

Publicada pelo jornal Folha de S. Paulo no caderno de Esportes, a série "O jogo suspeito e a queda de Ricardo Teixeira" foi o estopim da crise que levou à renúncia de Ricardo Teixeira da presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), cargo que ocupava há 23 anos. Ela conseguiu comprovar o elo entre o ex-presidente da CBF e a empresa do presidente do Barcelona, a Ailanto, que recebeu R$ 9 milhões do governo do Distrito Federal para organizar um amistoso da seleção brasileira. Reportagens da editoria de esportes não levavam a principal premiação do jornalismo brasileiro desde 1968.

Foram quatro meses de apuração envolvendo acompanhamento das investigações feitas pela polícia e pelo Ministério Público, entrevistas e buscas por documentos, trabalho desenvolvido pelos jornalistas Filipe Coutinho, Julio Wiziack, Leandro Colon, Rodrigo Mattos e Sérgio Rangel.

“Esta não foi a primeira vez que o Teixeira esteve envolvido em um caso de suspeita de desvio de verbas. Porém, pela primeira vez ficou comprovado de forma documental que ele havia recebido valores - R$ 705 mil - em sua conta relacionados a um jogo da Seleção. O grande mérito destas reportagens é que a gente conseguiu fazer o caminho do dinheiro”, explicou Filipe Coutinho. Ele e o repórter Leandro Colon conversaram sobre o trabalho de apuração da série premiada com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.

Segundo eles, paciência e persistência foram os principais recursos para chegarem à notícia. “Foi um trabalho duro de convencimento com as fontes, pois o Teixeira era um cara muito poderoso e havia uma certa resistência. Recebemos muitos 'nãos' nesse período de apuração. Mais de uma vez tivemos dia e hora marcados pra conseguir um documento e, na última hora, a fonte refugava. Não foi preciso usar grandes tecnologias, tabelas de Excel ou coisas do tipo na apuração. Foram só noites mal dormidas e metodologia de pesquisa, um princípio básico da reportagem”, revelou Colon.

Se a pauta surgiu a partir das investigações feitas pelo Ministério Público e pela polícia, ir além dos dados oficiais foi essencial para o bom resultado da série. “Durante o processo da ação civil pública, o promotor que cuidava do caso morreu. Então o andamento ficou mais lento. Por isso foi fundamental uma investigação jornalística. Mesclamos as informações oficiais com as que recolhemos por conta própria em cartórios, juntas comerciais, etc. Fomos buscando o nosso próprio caminho", contou Coutinho.

Não faltou faro jornalístico para isso. De uma mera fofoca de pessoas ligadas ao futebol, os jornalistas conseguiram uma revelação. Após ouvir dizer que o Teixeira estava de malas prontas para se mudar para Miami, eles checaram o site da junta comercial da cidade e descobriram que o dirigente havia registrado uma empresa cuja sede era uma mansão. É lá que Teixeira vive desde março deste ano.

Um dos desafios da apuração foi ouvir e publicar o outro lado, princípio básico do jornalismo. Todos os envolvidos, procurados diversas vezes, optaram pelo completo silêncio desde o início da divulgação do caso. Nenhuma reportagem foi desmentida até hoje. "O que fizemos, já que eles não queriam se explicar, foi usar as argumentações que a própria Ailanto deu no processo. Mesmo quando eles não queriam, fazíamos questão de registrar a versão deles", salientou Colon.

Ao todo, 20 reportagens compuseram a série que conquistou o Esso, disputado este ano por mais de 1300 trabalhos jornalísticos. "Não planejamos ganhar este prêmio. Aliás, notícia a gente não planeja, encontra. Então o segredo é fazer o seu papel de jornalista. Na rotina do jornalismo, não é simples você ficar três, quatro meses correndo atrás de uma mesma coisa. Só deu certo porque foi um trabalho em equipe e porque os cinco jornalistas envolvidos acreditaram muito na história até o fim. O Esso foi a recompensa disso", completou Colon.

Fonte: Natalia Mazotte, "Os bastidores da série de reportagens vencedora do Grande Prêmio Esso deJornalismo 2012", blog Jornalismo nas Américas, Knight Center for Journalism in the Americas, 20/11/12.

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