segunda-feira, 29 de outubro de 2012 | |

Três questões sobre a eleição

Sei que eleição, tal como o esporte, é movida a paixões. Cada qual torce por seu candidato e seu partido, o que muitas vezes afasta a racionalidade do processo.

Que a torcida se comporte assim é algo natural, aceitável até, embora uma pitada de racionalidade fosse bem-vinda. Contudo, que os agentes políticos usufruam desta paixão para disseminar incongruências me parece um desvirtuamento do processo, abuso até – aceito, infelizmente e via de regra, de modo pacífico por todos os envolvidos (candidatos, marqueteiros e eleitores).

Tome-se o processo eleitoral de 2012 encerrado neste último domingo (28/10):

1 - mais uma vez, tal qual ocorrera na eleição presidencial de 2010, questões religiosas se sobrepuseram àquelas de foro coletivo, de real interesse da sociedade.

Ou alguém há de afirmar que, mais importante do que discutir as questões do transporte, do trânsito caótico, da saúde e etc, o paulistano se preocupa mesmo com o tal “kit-gay” (bandeira levantada por segmentos religiosos conservadores e reacionários e encampada pelas campanhas)? Ou como foi na eleição de Dilma Rousseff com o aborto como tema preponderante de um país com tantos desafios a vencer?

Naturalmente, é importante que o eleitor conheça o que pensam os candidatos a respeito de questões que envolvam conceitos morais, como o aborto. Agora daí a transformar estas questões em temas principais de uma campanha é fugir do real debate.

Por que, então, isto ocorre?

Basicamente porque estes temas ainda são sensíveis a parte do eleitorado (embora não tenham sido determinantes nos resultados finais, tanto que Dilma e agora Fernando Haddad, do PT, estão eleitos) – notadamente entre eleitores de menor escolaridade.

Como as campanhas optam pelo marketing no lugar da transparência e da honestidade, estes temas vêm à tona se forem de interesse do candidato (para prejudicar o adversário naturalmente).

A racionalidade que deveria permear o processo eleitoral não é arranhada apenas na elevação de temas assim ao nível principal do debate. É prejudicada também porque os próprios candidatos abrem mão de suas convicções para fazer o jogo rasteiro.

Tomemos mais uma vez o recente caso de São Paulo: tanto Haddad quanto José Serra (PSDB), quando estiveram em funções executivas, realizaram apropriadamente e como manda a cartilha bons trabalhos em favor de causas das minorias, incluindo a dos direitos dos homossexuais. Agiram assim porque colocaram o interesse público e social acima de questões pessoais, políticas e partidárias.

Por que numa campanha eleitoral não podem assumir as próprias convicções? Porque o jogo eleitoral não permite, dirão... Ora, qual a contribuição do candidato para mudar o “status quo” deste jogo?

O mesmo se pode dizer de Dilma. Quando ainda ministra, manifestou com convicção seu apoio ao direito da mulher decidir pelo aborto. Uma vez candidata, recuou – mesmo? Ou foi jogo de cena eleitoral?

2 - os apoios partidários são inexplicáveis.

É óbvio que numa eleição municipal há interesses e arranjos locais que pesam mais do que qualquer aliança em maior nível. No entanto, não é possível assistir passivamente a acordos como o do PT com o PP de Paulo Maluf – figura que até anteontem era criticada por 11 entre dez petistas, incluindo o próprio ex-presidente Lula. 

Sabe-se que acordos assim visam garantir maior tempo de televisão no horário eleitoral e, eventualmente, apoio parlamentar. Contudo, parece mais racional (embora utópico) que os partidos façam alianças em razão de seus matizes ideológicos (coisa que a maioria das siglas no Brasil não tem).

O que explica o PSD, por exemplo, apoiar o PSDB num lugar, o PT em outro, o PSB em outro e o DEM em outro? Não há conveniência local que justifique isto – ou melhor, há conveniências em excesso.

Sobre isto, recomendo a leitura de "Reforma política necessária".

3 - não é racional, saudável e moralmente aceitável que o pensamento do eleitor seja ludibriado com ideias divergentes de um mesmo partido em favor da vitória.

Para ganhar a capital paulista, o PT (Lula à frente) apostou no “novo”. Saudou o candidato sem vícios e a necessidade de mudança. Ali do lado, em Diadema, o mesmo PT (Lula novamente à frente) alertou os eleitores para o risco do – pasme! – “novo”, da inexperiência administrativa do adversário do prefeito candidato à reeleição.

Em São Paulo, “um homem novo para um tempo novo”, pregava Lula insistentemente; em Diadema, “é importante que o povo não entre em uma aventura”, disse o ex-presidente.

E fica tudo assim, como se nada de chocante houvesse nestas manifestações.

E não é só o PT (é que nesta eleição os “cases” petistas ficaram mais evidentes). O senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou categoricamente em 24 de outubro num ato em Campinas que fez mais campanha para o PSB do que para o seu partido. Tudo em razão de um projeto eleitoral – ele é sabidamente pré-candidato a presidente da República.

Chega-se, pois, à fácil conclusão que ainda prevalece nas campanhas eleitorais brasileiras o “vale tudo pelo poder”. É, no fim das contas, contra isto que escrevo, luto e manifesto-me.

Quando as eleições tornarem-se mais honestas e limpas no Brasil, aí sim poderemos falar que estamos rumando para o desenvolvimento. Até lá, viveremos uma democracia selvagem, frouxa ou “patológica”, como já citado neste blog.

E tudo isto ocorre porque ainda enxergam o eleitor – o povo – como massa de manobra.

Não somos?

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