segunda-feira, 6 de agosto de 2012 | |

Telejornalismo em questão

Renovar o jornalismo de TV, ousar, enlouquecer a concorrência, incomodar poderosos, remar na contracorrente. Essas são as intenções de um telejornal fictício, base da trama do seriado americano "The Newsroom", sensação nos EUA, agora na TV a cabo do Brasil.

Criação de Aaron Sorkin, o mesmo da série "The West Wing" e do filme "A Rede Social", "The Newsroom" não deixa ninguém indiferente. É cultuado com intensidade, e odiado também. Para jornalistas, assisti-lo vira hábito compulsivo (ainda mais para os de TV, meu caso).

Mas "The Newsroom" não surgiu do nada, a partir de algum "insight" genial do criador Sorkin (sujeito intragável, garante quem já esteve frente a frente com ele). Deve muito, e não sei se isso foi devidamente notado, a uma série inglesa exibida em 2011 pela BBC: "The Hour".

Assim como em "The Newsroom", em "The Hour" uma equipe de jornalistas muito jovens, chefiados por uma mulher, é chamada a criar uma atração inovadora. Em "The Newsroom", um telejornal diário. Em "The Hour", um programa semanal, com as principais notícias do período.

(...) Em "The Hour", os jornalistas repetem em todo episódio: "Não queremos entediar o espectador". O que não significa apelar para sensacionalismo ou banalidades. Vivem em tempos turbulentos, perfeitamente refletidos no programa. Falam da crise do canal de Suez, da invasão da Hungria pelas tropas soviéticas, dos titubeios do governo conservador de Anthony Eden.

No jornal fictício de "The Newsroom", a série americana, não há preocupação com formatos atraentes. Seus jornalistas se veem como arautos de uma missão que julgam civilizadora. "Notícia importante é notícia útil na hora de votar", sentencia, logo no primeiro capítulo, a editora-chefe. Ou seja: só cobrem política e economia, e na base de muita falação.

Fonte: Álvaro Pereira Júnior, "Notícias na TV", Folha de S. Paulo, Ilustrada, 4/8/12.

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Não, os Estados Unidos não são o melhor país do mundo. Estão em sétimo lugar em taxa de alfabetização, 27º em conhecimento de matemática, 22º em ciência, 49º em expectativa de vida, 178º em mortalidade infantil, terceiro em renda per capita, quarto em força de trabalho e exportações.

Lideram o mundo apenas em três categorias: porcentagem de cidadãos encarcerados, número de adultos que acreditam que anjos são reais e em gastos de defesa -despendem mais que os 26 países seguintes somados, 25 dos quais são seus aliados.

A ideia acima é do personagem Will McAvoy, exposta durante palestra a estudantes de jornalismo. Até ali um âncora anódino, chamado pelos pares de "Jay Leno do jornalismo" por sua capacidade de não desagradar ninguém, ele resolve se despir da mediocridade e começar a fazer telejornalismo para valer.

Assim se inicia a série "The Newsroom" (a Redação, em inglês), que o canal de TV paga HBO passa a exibir aos domingos no Brasil a partir de hoje, às 21h. Criada por Aaron Sorkin, de "The West Wing" e roteirista do longa "A Rede Social", conta os bastidores de um telejornal fictício com notícias de verdade.

No primeiro episódio, fala-se do vazamento de óleo no golfo do México, de abril de 2010. No terceiro, da ameaça de explosão de um carro-bomba na Times Square, em Nova York, no mês seguinte.

As situações reais são pano de fundo para que a qualidade do telejornalismo dos EUA seja discutida de maneira criativa e provocadora. A tese de Sorkin é que, ao buscar audiência a qualquer preço, os programas se tornaram mais superficiais e emburreceram os espectadores.

Num dos episódios, depois de fazer um comentário engraçadinho sobre a política Sarah Palin, McAvoy (Jeff Daniels) pede desculpas no ar. Não apenas pelo erro, mas por anos de desinformação:

"Sou líder numa indústria que errou resultados de eleições [Bush x Gore, 2000], exagerou ameaças terroristas [Guerra do Iraque, 2003], inflou controvérsias e deixou de noticiar mudanças tectônicas em nosso país, do colapso do sistema financeiro [em 2008] a quão fortes nós realmente somos diante dos desafios que temos".

Fonte: Sérgio D´Ávila, "No calor da hora", Folha de S. Paulo, Ilustrada, 5/8/12.

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