domingo, 19 de agosto de 2012 | |

Ainda a questão do diploma para jornalistas

Parece-me despropositada a tentativa do Senado de contornar a decisão do Supremo que extinguiu a necessidade de diploma para o exercício da profissão de jornalista aprovando uma proposta de emenda constitucional (PEC) que reintroduz a exigência.

O Legislativo brasileiro adora um projetinho de regulamentação profissional. Pesquisa rápida no site da Câmara revela a existência de 6.893 itens cuja ementa faz referência a algum ofício. Difícil coadunar isso com o espírito da Carta, que, em seu artigo 5º, XIII, determina: "É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".


É até razoável defender a regulamentação para ofícios que requeiram um saber técnico bastante preciso, como medicina e engenharia, ou exijam perícia específica, como piloto de avião, e cuja ausência represente risco físico para a população. Um jornalista até pode divulgar informações falsas que provocam grandes estragos. Mas é bobagem buscar um conjunto de matérias teóricas que capacitem o estudante a tornar-se um bom repórter.

Podemos afirmar que o engenheiro, para fazer com que a ponte fique em pé, precisa ter cursado cálculo I e II e conhecer noções de física que podem ser aprendidas nas escolas politécnicas. O médico, para receitar uma droga, precisa saber algo de bioquímica e farmacologia. Mas o que dizer do jornalista? O que ele precisa além de noções de português (em tese obtidas com a alfabetização) e de disposição para estudar o assunto de que vai falar? Ao que consta, o MEC não reconhece as disciplinas verdade I, II, III e IV.

Ninguém se torna ético só porque assistiu a aulas de ética na faculdade. Afirmar, como se faz por aí, que a exigência do curso de jornalismo é garantia de bom comportamento no exercício da profissão faz tanto sentido quanto dizer que quem vai à missa não comete pecados.

Fonte: Hélio Schwartsman, "Nada mais que a verdade", Folha de S. Paulo, Opinião, 19/8/12, p. 2.

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