segunda-feira, 30 de julho de 2012 | |

Do desvirtuamento das coisas públicas

Num país acostumado a fazer leis partindo do princípio de que a corrupção é regra, não causa estranheza que medidas potencialmente eficazes na administração pública sejam desvirtuadas pelas práticas humanas.

Por exemplo: a terceirização.

É fato que as acusações de corrupção que tiraram do cargo o prefeito de Limeira, Silvio Félix (PDT), envolvem em grande parte a terceirização da merenda escolar (que, aliás, virou alvo de denúncias em dezenas de cidades, sempre com os mesmos personagens).

Não pretendo discutir a eficácia e a pertinência da terceirização da merenda ou de qualquer outro serviço, apenas colocar em xeque os motivos que levam às críticas ao modelo adotado. Afinal, não é a terceirização em si a causa de todos os males e sim a intenção com que ela é implantada.

Dito de outra forma: são os interesses subterrâneos, escusos, que desvirtuam a terceirização e não esta em si.

Há quem possa questionar a teoria (neoliberal?) do Estado mínimo. Repito: não estou discutindo o mérito em si de terceirizar ou não, e sim as críticas feitas neste momento ao modelo de repassar a um terceiro a gestão de um setor da administração pública.

O mesmo pensamento se aplica à constituição de empresas de economia mista para agilizar os trabalhos dos governos.

Virou notório, por exemplo, falar que a então Emdel (Empresa de Desenvolvimento de Limeira) – que tinha a prefeitura como principal acionista – virara um cabide de empregos. Não que isto seja mentira. É preciso, porém, admitir que tal prática só ocorreu porque as pessoas (os governantes e os que se sujeitaram a isso) fizeram dela um caminho para negociatas, empreguismos e afins.

Mais uma vez, são os interesses subterrâneos, escusos, que desvirtuam a ideia – interessante – de ter uma empresa para realizar trabalhos públicos sem as amarras da legislação.

Aliás, a própria legislação no Brasil foi criada partindo do princípio de que a corrupção está enraizada nas administrações (e não está?). Ou para que serve a famigerada e agora tão criticada Lei de Licitações senão para resguardar o interesse público e o erário?

Não seria, pois, dever de qualquer administrador zelar pela coisa pública? Para que uma lei que obriga o governante a fazer algo que é dever de ofício?

A resposta parece óbvia: porque os governantes não fazem. Porque no Brasil prevalece o princípio de que todos são corruptos.

Mais uma vez, o ser humano aparece como agente desvirtuador do processo.

Este texto é quase um tratado filosófico (com a permissão do exagero) sobre uma faceta da administração pública.

É que me causa espécie ouvir críticas a terceirizações, Emdel e congêneres sem que se discuta a raiz de todos os males que as atingem: a prática humana da corrupção.

Em última análise, é o caráter – ou a falta dele – que está por trás dos problemas, não as medidas que são adotadas. Estas são apenas os instrumentos usados pelos maus governantes para atingir um determinado fim (qual seja, o benefício próprio ou de terceiros).

E, como instrumentos, “pagam o preço” sendo taxadas de ineficazes e impertinentes.

Por que, afinal, desvirtuamos as discussões?

PS: sei que este assunto sequer será discutido na campanha eleitoral que se apresenta, mas deveria. É o fulcro da administração, a origem da corrupção (junto do atual sistema de financiamento das campanhas e de constituição dos partidos no Brasil).

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