domingo, 4 de dezembro de 2011 | |

"Incidente em Limeira"

Os políticos brasileiros, e gente que ocupa cargos públicos em geral, talvez devessem, para o seu próprio bem, prestar um pouco de atenção numa dessas histórias que aparecem e somem rapidamente do noticiário situado entre o mundo do crime e o da política – coisas cada vez mais parecidas, neste Brasil de hoje. Aconteceu na semana passada em Limeira, no interior do estado de São Paulo. A mulher, dois filhos e duas cunhadas do prefeito Silvio Félix, presos num rapa que dias antes havia colocado no xadrez onze pessoas ligadas à prefeitura, por denúncias de corrupção grossa, quase levam uma surra ao sair da cadeia; a Justiça, obviamente, mandou soltar todos assim que terminou o prazo de cinco dias da prisão temporária, e muita gente não gostou. Um grupo de cidadãos irados foi esperar os acusados na porta da delegacia, acertou umas pancadas em uns e outros e só não bateu mais porque a polícia não deixou. Sobrou, como imagem-símbolo dessa cena ruim, a cara apavorada da primeira-dama, refugiada no fundo de um carro da PM – além, é claro, do desconforto, comum a todos os outros, de ser chamado de “ladrão” e ter de ficar quieto.

Limeira está longe de ser um fim de mundo. Ao contrário, é um modelo daquilo que se costuma chamar, no interior, de “cidade boa”. Fica a 150 quilômetros de São Paulo, tem um pouco menos de 300 000 habitantes e faz parte do colar de comunidades prósperas que se estende pela região mais rica do interior paulista. É a terra de nomes históricos da indústria nacional – Prada, Fumagalli, Varga. Sua economia combina as vantagens de uma área industrial dinâmica e os avanços do agronegócio. Tem boas faculdades e seu Índice de Desenvolvimento Humano, medido pela ONU, está na categoria “elevado”, entre 0,800 e 0,900 – abaixo apenas do grau máximo que se pode alcançar. Infelizmente, não conseguiu ter, em termos de desenvolvimento político, os belos índices que construiu em termos de desenvolvimento humano. Limeira, nesse aspecto, é um retrato exemplar do desastre moral que marca a vida diária de tantos municípios pelo Brasil afora. Longe da atenção nacional, rouba-se numa quantidade cada vez maior de cidades e, pior ainda, rouba-se cada vez mais. Foi-se o tempo em que prefeito e vereadores se contentavam com mixaria – o dinheirinho ganho com a venda de certificados de “habite-se” ou de licenças para instalar um forno de pizza, em geral a preços moderados. Hoje em dia os delinquentes entram no ramo com a firme decisão de ficar ricos. Querem comprar fazenda, iate de 50 pés, SUV importado.

A conclusão é que Limeira vai ficando cada vez mais parecida com o Brasil da corrupção por atacado, e um número crescente de municípios vai ficando cada vez mais parecido com a Limeira de hoje. No caso que acabou explodindo na semana passada veio aos olhos do público uma história de horrores. A mulher do prefeito, os familiares e os demais envolvidos são acusados oficialmente de furto qualificado, lavagem de dinheiro, sonegação de impostos, falsificação e formação de quadrilha. Em seu período de atividades, segundo o Ministério Público, compraram mais de cinquenta imóveis e juntaram acima de 20 milhões de reais. O prefeito, por sua vez, não está numa situação muito melhor – foi afastado do cargo por noventa dias, por envolvimento na mesma trama. Imagina-se a recepção popular que terá se voltar à prefeitura. Quanto aos outros, o pior parece que já passou – o pior para eles, claro. Escaparam de ficar na cadeia, e é muito pouco provável que voltem para lá com uma condenação. Tudo o que podem esperar, como castigo, é o incômodo de ficar pagando advogado e se aborrecendo com o processo, coisa que promete ir longe; esse bonde, quando começa a andar, não para.

É muito pouco, para a população de Limeira – e é contra isso, justamente, que se levantou a sua cólera. O problema nem é tanto a corrupção. É a certeza de impunidade penal para os acusados, por conta de um Poder Judiciário e um sistema de leis organizados de maneira a impedir, na prática, que os corruptos recebam qualquer punição verdadeira, seja qual for o galho que ocupam na árvore pública; funcionam, dia e noite, exatamente para isso. Em Limeira não houve linchamento – como ocorreu, na mesma semana, com um motorista de ônibus de São Paulo, morto a pancadas depois de ter provocado um acidente, numa dessas quebradas da periferia aonde a polícia sempre chega depois. Mas a exasperação é a mesma.

É bom tomar nota.

Fonte: J. R. Guzzo, “Veja”, ed. 2.246, pág. 206, 7/12/11.

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