quarta-feira, 21 de julho de 2010 | |

"Tente beijar mais e tuitar menos"

Eu estava indo de Washington para Nova York quando um carro colou atrás de mim -voando. Eu vi pelo retrovisor que a motorista falava no celular. Dias depois, eu conversava com um cara que costuma ir de Nova York a Nova Jersey. Ele apoia seu laptop na frente do carro para assistir DVDs enquanto dirige. "Eu só faço isso no trânsito. Não tem problema", diz.

Além das questões óbvias de segurança, por que alguém quer ou precisa falar ao telefone ou assistir a filmes enquanto dirige? Odeio soar como se fosse do século passado, mas qual o problema em só ouvir rádio? As maravilhas da tecnologia estão nos engolindo. Não as controlamos; elas nos controlam.

Nós temos celulares, Blackberrys, Kindles e iPads, e estamos mandando e-mails e mensagens de textos, batendo papo e tuitando. Tudo isso é parte do que eu acho ser um dos aspectos mais esquisitos da nossa cultura: o ritmo frenético que exige que façamos, no mínimo, duas ou três coisas a todo momento desde que acordamos. Por que ser multifuncional é considerado um talento?

Poderíamos facilmente achar que isso é uma inabilidade neurótica que nos impede de nos concentrarmos por mais de três segundos. Chega desse comportamento hiperativo, dessa tecnotirania e desse ritmo frenético que não para. Precisamos desacelerar e respirar. Não me oponho aos excepcionais avanços dos últimos anos. Não quero voltar para a máquina de escrever e ao papel carbono. Só acho que deveríamos tratar a tecnologia como qualquer outra ferramenta. Deveríamos controlá-la, moldando-a aos nossos propósitos.

Vamos deixar um pouco de lado nossos gadgets e passar o tempo sendo nós mesmos. Um dos problemas da nossa sociedade é que temos uma tendência, em meio a toda loucura que nos cerca, de perder de vista o que é verdadeiramente humano em nós -aquelas coisas bem especiais, a maior parte não material, que nos preenchem, dão sentido às nossas vidas, nos engrandecem e que nos permitem abraçar mais facilmente aqueles a nossa volta.

Há um personagem em uma peça de August Wilson que diz que todo mundo tem uma canção dentro de si e que você corre risco de perder essa canção. Se você perde o contato e esquece como cantá-la, você está sujeito a ficar frustrado e insatisfeito. Não acho que ficamos em contato com nossas canções ao tuitar ou digitar mensagens em nossos Blackberrys ou acumular amigos no Facebook. Precisamos reduzir os limites de velocidade de nossas vidas e saborear a viagem. Deixe o celular em casa de vez em quando. Tente beijar mais e tuitar menos. E pare de falar tanto. Ouça.

As outras pessoas também têm o que dizer. Quando elas não dizem, aquele silêncio glorioso dirá mais do que você jamais imaginou. Isso é quando você começará a ouvir a sua canção. Isso é quando os seus melhores pensamentos aparecerão, e você realmente será você.


Fonte: Bob Herbert, colunista do "New York Times", com tradução de Bruno Romani, Folha de S. Paulo, Tec, 21/7/10, p. 8.

Em tempo: para quem se interessar pelo tema, recomendo a leitura do capítulo 11 do livro de Thomas L. Friedman, "O mundo é plano". Intitulado "E quando todos tivermos audição de cachorro?", o capítulo discute as implicações na vida cotidiana (e na privacidade) das novas ferramentas tecnológicas. Segue um trecho:

As mesmas tecnologias que nos unem também nos dividem claramente. As mesmas tecnologias que nos permitem conectar uns com os outros, como nunca antes, também nos permitem interromper uns aos outros como nunca ocorrera. As tecnologias que conferem poder aos indivíduos para fazer o upload de seus conteúdos - por meio de blogs, podcasts e mensagens instantâneas -, e se inscreverem no mundo, também contribuem para tornar nossa linguagem mais áspera e empobrecer nosso discurso. Mas o mais perturbador, e ainda não totalmente compreendido, é o que sucede quando podemos não só ser autores de nosso próprio conteúdo e circulá-lo globalmente, como também, graças ao aperfeiçoamento da conectividade e dos mecanismos de busca, ler todo o conteúdo que as pessoas produzem a nosso respeito. O que ocorre quando a internet torna-se tão ubíqua e os buscadores tão refinados que, de uma hora para outra, podemos ouvir tudo o que é murmurado sobre nós? (p. 479)

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